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quinta-feira, 8 de abril de 2010

Revelação bombástica...

O dia tinha sol, mas continuava frio. Logo ao acordar "Alra" relatou-me seu sonho: “Primeiro sonhei que minha mãe foi pegar o tapete da porta do banheiro e havia uma cobra dentro dele, entre o tecido de cima e o forro. Ela achou que a cobra não ia sair dali de dentro. Mas a cobra não apenas saiu como picou o pé dela e ficou agarrada a seu pé sem se soltar. Fui buscar um vidro para capturar a cobra pensando que ia ter de levar minha mãe num médico e mostrar-lhe a espécie a fim de que ela pudesse ser medicada corretamente. Embora exista a repetição da cobra nos sonhos, nesse caso a ameaça e tensão pareceu estar mais voltada para a figura materna do que para mim. Há alguma diferença de significado a ser analisada?”.
Pela manhã "Alra" foi com sua mãe ao Uai tomar injeção contra a gripe influenza A-H1N1 cuja campanha fora dividida em cinco etapas de imunização (primeiro gestantes, depois crianças, doentes, jovens e, por fim, adultos e idosos). "Alra" entrara na faixa etária dos jovens (de 20 a 29 anos). Entretanto, ao chegar no local foi informada de que só estariam aplicando na parte da tarde e, assim, ela e sua mãe aproveitaram para ir ao supermercado Bretas a fim de não perderem a pernada. Lá compraram os ingredientes para o cardápio especial do dia: lasanha. Depois do almoço "Alra" teve de refazer o percurso para tomar a vacina e só conseguiu receber a picada depois de mais de uma hora esperando até chegar sua vez. Na volta ela passou na casa de “Mariposa”. Esta havia feito um pão de queijo com mais sal do que polvilho, de forma que "Alra" teve de pegar os que ela lhe dera, levar para casa, bater no liquidificador com mandioca e fazer um bolo de sal. Somente assim foi possível engolir os mesmos. Sua avó dissera ter errado a mão, mas “Florymel” achava que ela não havia misturado a massa direito. Enfim, a solução foi "Alra" fazer um bolo dos cinco que ganhara. Já eram oito horas da noite e "Alra" havia acabado de tomar seu banho pós-ginástica quando recebeu um telefonema de "Mateus", o qual disse aflito que precisava lhe falar com urgência. "Alra" concordou de recebê-lo em sua casa.
Em tal dia "Alra" teve uma revelação bombástica da qual não esperava, mas "Mateus" vinha ensaiando há cerca de um mês em como lhe transmitir tal notícia. Depois de matarem as saudades um do outro, "Mateus" indo da coragem ao temor, olhou para "Alra" com cara de quem lhe pedia compaixão. Começando a ficar preocupada ela pediu que ele falasse logo o que o agoniava. Foi então que sua fala envergonhada foi revelando algo inimaginável: “O que tenho para lhe dizer me pesa tanto, mas não consigo mais lhe enganar”. A palavra engano fez "Alra" sentir-se congelar. A primeira coisa que lhe veio em mente foi à possibilidade de "Mateus" ser casado e isso para ela definitivamente iria ser o fim do mundo. Sem conseguir dizer nada, ela apenas esperou que ele continuasse a fala:
___ Sei que você deve estar pensando um monte de hipóteses e não sei se o que vou lhe contar é pior ou melhor do que você deve estar supondo. Mas você mesma sabe o medo, idiota eu confesso, que nos leva a mentir. Nunca o fiz por mal, antes apenas não queria te perder. Eu imaginei que não seria bom conquistador se você me rejeitasse e tive horror de imaginar que não suportaria uma rejeição. Fui medroso e fraco. Não sei se de fato me arrependo do que fiz, pois foi fazendo que aprendi uma porção de coisas e a principal delas foi que mentir não me serviu de nada, apenas me afastou ainda mais de você, pois quanto mais o tempo passa, mais difícil fica de sustentar uma mentira. Você estaria disposta a me perdoar independente de tudo em nome do nosso amor? Você entenderia a capacidade da minha mentira proporcionada ao tamanho da minha ignorância e aliada ao meu gritante amor? – perguntou ele com os olhos marejados de lágrimas.
___ Sinto muita autenticidade nas suas palavras e lhe perdôo sim, mesmo sem saber do que se trata o seu desvario e, antes de tudo, me responda se tal verdade me separará ainda mais de você – respondeu "Alra" receosa.
___ Se o seu perdão for sincero e puro o suficiente, creio que a verdade será motivo de união – respondeu "Mateus" tentando esboçar um sorriso.
___ Você sabe que existem situações das quais já vivenciei e não aceito mais, não sabe? – perguntou "Alra" na indireta.
___ Entendo sua preocupação, mas somente orgulho faria você não me aceitar mais na sua vida enquanto seu companheiro. Sei que me enquadro em uma situação da qual você já experimentou outrora em outras tentativas de relacionamentos, mas tenho certeza de que você apenas deixou de aceitar por falta de amor suficiente. Prefiro não lhe ver como uma pessoa orgulhosa.
___ Então diga logo qual ou quais foram as suas mentiras – disse "Alra" já pensando que talvez ali estivesse o fim de fato de seu relacionamento com "Mateus". Ela tivera flexibilidade e amor para se envolver com homens casados, mas deixara de aceitar tal tipo de relacionamento não por orgulho ferido, mas sim por questões morais e de insatisfação pessoal. Será que "Mateus" teria lhe enganado a tal ponto? "Alra" não ia guardar-lhe rancor, mas levaria um tempo para livrar-se da tristeza que uma revelação de tal nível lhe traria. – Por acaso é casado? – "Alra" perguntou de vez sentindo um sufoco e uma ponta de irritação tomar conta de si.
Mateus fez que não com a cabeça mantendo a mesma seriedade. Depois mordeu os lábios e procurando olhar nos olhos de "Alra" prosseguiu:
___ Eu não tenho as condições financeiras que aparentei ter. Eu nunca viajei para fora do Brasil e nem se quer fiz faculdade. Aquele que você conheceu como sendo meu irmão, o qual você teve oportunidade de ver apenas uma ou duas vezes, não sei ao certo, não era meu irmão, mas sim um amigo que me emprestou sua casa e sua família para eu aparecer para você como alguém bem sucedido profissionalmente. Eu queria conquistar-te a partir da sua admiração por mim e então peguei exatamente o seu ponto fraco. Não estou dizendo que você é interesseira, pois não é esse seu ponto fraco, mas sim que você revelou ter problemas com relação ao lado profissional e, embora isso para mim não signifique literalmente um ponto fraco, mas percebia que você o achava assim, surgiu à idéia de dizer-lhe que era advogado e enfim, foi por isso que demorei tanto a lhe contar no que eu trabalhava. Confessa para mim se fui tolo ao pensar que pouco provavelmente você aceitaria me namorar ao saber que sou pior do que você em relação a um dos seus maiores tormentos. Não que seja de fato um tormento, mas sempre lhe pesou como se assim o fosse e percebi isso desde o inicio, por mais que você disfarçasse. Por favor, tenta analisar o meu ponto de vista – disse "Mateus" em tom de suplica.
"Alra" permanecia pensativa como se houvesse levado uma descarga elétrica. No fundo ela sabia que tinha culpa em toda aquela mentira, mesmo que isso não a justificasse. "Alra" percebeu que "Mateus" não mentira em vão, pois de fato seu motivo fazia sentido, mesmo que fosse superficialmente tolo. Além disso, "Alra" constatou que "Mateus" tinha o mesmo problema de mentir por insegurança pessoal, mas algo nele também estava sendo despertado para viver a verdade crua da realidade.
___ Como você conseguiu montar tantas situações tão perfeitas? Eu nunca desconfiei de nada, a não ser do fato de alguém tão bem sucedido na vida, igual você, se interessar por uma jovem ainda perdida dentro do contexto no qual vive, como eu. Para mim era apenas a realização de um sonho utópico e muitas vezes me perguntei o que eu seria para você. Claro que um homem bem sucedido pode amar-me, mas a questão do orgulho que você colocou realmente dificulta esse tipo de acontecimento. É impressão minha ou a situação inverteu?
___ Não acho que ela tenha invertido, pois nenhuma situação profissional ou financeira é suficiente para colocar uma pessoa acima ou abaixo de outra. Talvez você se sentisse inferiorizada a mim e encantada com o fato de eu lhe aceitar tão bem mesmo sem você ter um emprego ou carreira. Na verdade eu também me sentia inferiorizado a você, mas entendi que eu precisava correr o risco de ser verdadeiro e fazer você entender o como ou por que eu lhe compreendia quando você se apequenava por não ser bem resolvida no âmbito profissional. Eu sei o quanto isso lhe incomoda, pois comigo não é nada diferente. Você teve uma formatura que ora é vista como vantagem, mas também como um peso que lhe cobra retorno...
"Alra" tocada deixou as lágrimas correrem livres em seu rosto. No fundo ela se sentia desencantada, mesmo que seu amor por "Mateus" conservasse intacto. Ao mesmo tempo falar em tal assunto lhe incomodava, pois embora não sentisse falta de uma realização profissional, isso sempre lhe fora de fato um tormento por causa das cobranças familiares. "Mateus" tocou-lhe o rosto com carinho enxugando-lhe as lágrimas.
___ Eu nunca busquei luxo, só desejei a vida toda um homem que me aceitasse enquanto dama do lar e que tivesse condições de me sustentar enquanto sua esposa e, talvez, enquanto mãe de seus filhos – disse "Alra" cabisbaixa.
___ Pois eu não queria te oferecer apenas sustento, muito menos queria chegar ao contexto de te oferecer luxo. Mas você ainda não respondeu a minha dúvida. Você teria se envolvido comigo se soubesse que em verdade eu sou apenas um mero funcionário de uma sorveteria?
"Alra" suspirou fundo envergonhada da resposta que se sentiu na obrigação de dizer com sinceridade:
___ Eu juro não saber, mas por que me pergunta se parece estar com a resposta na ponta da língua? Eu confesso sim que acabei de ter minhas esperanças feridas. Não digo que seja orgulho, mas talvez apenas uma ilusão tola. Confesso que eu esperava esconder o meu descaso com as questões profissionais atrás de um homem que fosse um grande profissional. Sinto-me confusa, mas de uma coisa tenho certeza: eu te amo e não quero me importar com o fato de você não preencher mais o meu acalento. Para mim não é fácil aceitar isso, mas tudo o que percebo é que eu sonhei com um príncipe encantado de um jeito e acabei encontrando um homem que não é príncipe e que tem menos encantos do que supunha. Entretanto, eu não posso deixar de constatar que você tem o maior encanto que eu poderia desejar: seu amor por mim. Nunca pensei que somente esse encanto pudesse ser o suficiente, mas eu quero que seja.
___ Você tem certeza disso? – perguntou "Mateus" com ar de dúvida.
___ Sim, só não sei se vou conseguir apagar as ilusões de meu ser. Quantas pessoas estão ao lado dos que amam sem reconhecer a felicidade que possuem por ainda se iludirem pensando no mais que poderiam ter? Por acaso isso não acontece com você?
___ Sim, até porque eu já me relacionei com mulheres bem estabelecidas em suas questões profissionais e financeiras, mas isso não me preencheu. Eu não as quis por livre decisão e espontânea vontade. Antes duas pessoas que se amam estarem justas e felizes, mesmo que com uma vida insegura e contida na simplicidade, do que viver na segurança e bem-estar do fingimento que gera tristeza e medo ao mesmo tempo. Não é fácil desapegar das ilusões. Muitas vezes elas vão além dos nossos limites de consciência, pois ficam escondidas dentro de nós quase de forma imperceptível. Hoje eu te ofereço apenas a simplicidade do meu amor e, despojado de qualquer intenção de te enganar, digo que não pretendo crescer na vida em sentido profissional ou financeiro. Eu me dou por satisfeito tendo o suficiente para sobreviver. Sei que o mundo me criticaria pelo que vou dizer, mas acho a vida muito curta e passageira para ficarmos amontoando imóveis e poupanças recheadas ou desfrutando confortos que nada mais são do que prazeres temporários e inúteis perante a função da vida no sentido de enobrecer a alma. Eu sinto que no fundo você pensa como eu. Sei que no passado você muito temeu pela sua própria sobrevivência e hoje se esforça para não deixar isso te assombrar. Eu não estou aqui para lhe oferecer segurança a esse temor, porque ele também me atormenta de vez em quando. Eu estou aqui para que juntos possamos vencê-lo. Sei que falar sobre isso lhe angustia e não me cabe dizer o que você deve ou não fazer. Independente de você ter ou não um emprego que lhe dê retorno financeiro, eu quero lhe ajudar a não ter medo de nada, pois eu quero de você essa mesma ajuda. Nem sempre é o dinheiro que supre as nossas necessidades pessoais, pois nada nessa vida pode nos alimentar e nos preencher mais do que o amor, a gratidão, a felicidade de fazer o bem, o esforço de automelhoria, a paz na consciência e a sensação de estar com Deus em cada segundo do existir. Eu só quero lhe propor o mesmo que proponho a mim: trocar a ilusão por fé. Falando mais claramente: deixe de lado a ilusão de que você poderia ser uma pessoa melhor ou mais segura se tivesse um emprego fixo ou se estivesse com um homem bem sucedido na vida material. Vamos fortalecer os nossos princípios e, mesmo que um dia nós venhamos a sofrer do que tanto já tememos, vamos ser responsáveis das escolhas que fizemos de modo consciente. Quando encaramos nossos medos à probabilidade maior é de ficarmos mais fortes do que eles, derrotá-los ou superá-los. O que você me diz?
"Alra" se sentia profundamente emocionada e sussurrando um “eu aceito” jogou-se nos braços de "Mateus". Ali estava o homem que ela amava, completamente sem máscaras, a desmascará-la também perante seus próprios medos e neuroses. Ela não sabia se ia conseguir ser mais forte que seus medos, mas sabia que queria lutar o mais que pudesse por essa causa.
___ Sinto que quando agimos e mentimos por medo, damos mais força ao medo e as ilusões em nós do que a nossa coragem que precisa ser desenvolvida. Encarar o medo ou ignorá-lo é difícil, parece comprometedor demais, chega a parecer uma irresponsabilidade como se não estivéssemos dispostos a nos autodefender. Mas percebo que muitas vezes queremos nos defender de neuroses que só existem em razões de nós as mantermos em nossa mente por conta de nosso ego disfarçado. Muitas vezes nos complicamos numa perdição completa ao tentarmos apenas nos defender de um medo imaginário que nem sabemos se um dia se fará de fato real. Nos boicotamos sem nem termos ciência disso. Não é a toa que somos nosso pior rival, nosso principal inimigo. Mas eu quero ser a minha mais sincera amiga, a minha melhor amante. Eu quero ter a simplicidade de uma criança que inocentemente não se atormenta pensando em perigos daqui ou dali, que não se exige masoquistamente pensando que não é boa o suficiente perante o mundo, que não se culpa quando faz uma travessura. Eu quero me sentir segura por saber que sou protegida pelas leis da vida, eu quero me deixar livre para viver o que gosto com o senso de responsabilidade de ter optado por isso conscientemente, mesmo que minhas escolhas não satisfaçam as expectativas alheias e os outros me critiquem ou se apiedem de mim. Eu quero ser mais mocinha do que vilã de mim mesma. Eu quero apenas ter a certeza de que estou agindo de maneira correta perante os meus princípios e sentimentos, de que estou crescendo, amadurecendo, deixando as ilusões e carapuças para trás. Eu quero apenas me encontrar no autodescobrimento e apaixonar-me pelo que sou em essência, pela criança que existe dentro de mim. Quero apenas ter a pureza de coração que é inseparável da simplicidade e da humildade, que exclui todo pensamento de egoísmo e de orgulho – disse "Alra" por fim superando sua emoção e adquirindo a firmeza própria.
Sem mais, com o passar rápido das horas, o encontro encerrou-se e "Mateus" aliviado despediu-se de "Alra". A verdade é que tudo o que parece bom demais para ser verdade pode se dar exatamente por não ser de fato uma verdade. E muitas vezes a vida, através de nós, usa de falsidades para nos fazer compreender grandes verdades nos momentos em que estamos propícios para aceitá-las e, consciente ou inconscientemente, as deixamos vir à tona. Assim estava sendo com "Alra"...

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