Obrigada pela visita!

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segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Será quando agape se livrará da coceira?

Encontrei "Ágape" bastante feliz. Nada especial acontecera e como ela mesma me disse em tom de piada, a única novidade era ela própria. Em tal dia sua mãe lhe acompanhara até o Parque do Sabiá e enquanto "Ágape" dava a volta correndo, "Graúda" lia um livro. Nesse intervalo de tempo, um antigo conhecido do pai de "Ágape", o qual sempre a cumprimentava quando se encontravam no meio do percurso, aproveitou para puxar prosa com "Graúda" e no meio da conversa esta contou sobre a alergia de "Ágape". Foi então que descobriram o fato dele também ter tido alergia há algum tempo atrás e a causa segundo ele era única: os carrapatos das capivaras soltas do parque. Realmente "Ágape" havia encontrado um carrapato grudado em sua barriga ao principio da coceira e ela houvera estado passeando por lá com “Belalú” um dia antes de manifestar a alergia. Falando nela, "Ágape" revelou que ainda coçava bastante, principalmente à noite, mas supostamente a coceira era pela cicatrização dos calombos que haviam provocado leves feridas sobre a pele.

Carlota Joaquina - conhecimentos culturais...

Sempre detestei (e ainda não gosto) quando as pessoas brincavam de me chamar de Carlota Joaquina. A vizinha da esquina sempre me chamava assim quando eu voltava da escola e passava por ela sem cumprimentar. Eu nem olhava para ela exatamente porque achava esse nome feio e ficava com fúria de quem ficava fazendo piadinha com meu nome. Certa vez, ainda criança, perguntei a minha mãe quem era Carlota Joaquina e ela disse ter sido uma mulher como Carmem Miranda, uma pessoa famosa que cantava e atuava muito espalhafatosa. Lógico que minha mãe falou isso por falar, apenas para sanar minha curiosidade infantil. Nunca quis saber quem era de fato essa personalidade histórica, pois sempre tive antipatia com seu nome e mesmo que houvesse sido uma atriz ou cantora famosíssima eu tinha certeza de que a detestaria. Hoje resolvi investigar.
Pessoas ligadas a sua história:
Maria Antonieta Josefa Joana de Habsburgo-Lorena Sacra-Imperadora Romana; Rainha da Hungria, Croácia e Bohemia; Arquiduquesa da Áustria Madame du Barry Sofia de França
Maria Josefina de Saxônia Madame de Pompadour
Henrrieta da França Maria Leszczynska Maria Luísa Teresa de Parma-Bourbon
Descobri que Carlota Joaquina era filha primogênita (primogênita sim, porém sua mãe sofreu vários abortos) do rei Carlos IV de Espanha e da rainha Dona Maria Luísa Teresa de Parma e Bourbon. Dizem, que logo após o seu nascimento, Dona Luiza de Parma sua mãe, a levou na presença do famoso místico Conde de Sant Germant para que ele lesse na mão da pequenina Carlota o seu futuro, o seu destino, teria dito Sant Germant: "...Senhora, vossa filha será rainha sem coroa, será mulher sem amor e será mártir, martirizando os outros...". Se foi verdade que isso aconteceu, foi um resumo fantástico do que seria a vida de Dona Carlota Joaquina. Casou-se em 8 de Maio, tendo 10 anos de idade; casou por procuração, com Dom João VI; uma união simplesmente por interesse de negócios entre os dois países; ele, contava com 18 anos.
Para realizar o projeto chamado de Floridablanca pelo qual se conseguiria uma aliança duradoura entre Espanha e Portugal foi assinado um tratado no qual estabelecia dois casamentos entre infantes espanhóis e portugueses; a Espanha daria ao príncipe Dom João a princesinha Carlota; e Portugal daria ao Príncipe Dom Gabriel, filho do Rei Carlos III, Dona Mariana Vitória irmã de Dom João; na época destes acordos Dona Carlota tinha 8 anos de idade e Dona Mariana tinha 15; esses casamentos levaram dois anos para se consumarem; só ocorreram após a assinatura do "tratado" entre a Rainha Maria Vitória de Portugal e o Rei Carlos III de Espanha. Em 17 de março de 1785 o Conde de Louriçal que era ministro português na corte de Madrid pediu a mão de Dona Carlota para casamento em nome de Dom João; e o Conde Fernan Nunes embaixador espanhol em Lisboa pediu a mão da infanta portuguesa Dona Mariana Vitória em nome do príncipe Dom Gabriel. Carlota teve que submeter-se aos chamados "exames públicos" para o acordo matrimonial, quando respondeu durante 4 dias, cerca de uma hora por dia a perguntas sobre religião, geografia, história, gramática, língua portuguesa, (não se esqueça que ela era espanhola) espanhol e francês; as apresentações dos dois casais aconteceram no dia 8 de maio de 1775 na cidade portuguesa de Vila Viçosa na fronteira com a Espanha. No dia seguinte, o casamento foi aceito pela Igreja através da benção dada por um cardeal. Os festejos duraram quatro dias, durante o dia se realizavam torneios e touradas, e a noite haviam reuniões musicais que na época se chamavam "serenins", bailes e representações líricas. Dentro desses festejos, durante uma das noites de núpcias, a princesa Carlota agrediu o esposo, mordeu-lhe fortemente a orelha e atirou um castiçal no rosto do marido. Depois desse episódio, foi feito um ato adicional ao contrato de casamento, permitindo que Dona Carlota pudesse ter sua primeira relação sexual com o marido aos 14 anos podendo voltar atrás caso assim ela quisesse ou seja: se ela quisesse fazer sexo antes dos 14 anos, poderia. Um certo Padre José Agostinho de Macedo, imprimiu uns folhetos contando esse caso da noite de núpcias de forma brincalhona e sarcástica com o titulo "O gato que cheirou e não comeu" (o texto é de um mau gosto terrível é tão grosseiro que eu não tive coragem de reproduzir aqui); a princesa, indignada com o escrito mandou dar uma surra de chicote nas nádegas do padre, despi-lo em praça pública e aplicar uma "seringada" de pimenta do reino no seu clérigo traseiro e depois soltá-lo nu no Bairro das Marafonas. O Padre José Agostinho foi socorrido por uma atriz cômica do Teatro da Rua dos Condes, Maria da Luz que depois veio a ser amante do vigário humilhado. O matrimônio, é claro, foi um fracasso. A vida sexual do casal só começou realmente, cinco anos depois, quando Carlota menstruou pela primeira vez.
Apesar dos desentendimentos permanentes do casal, não só no campo pessoal, mas também no aspecto político, eles conseguiram passar 36 anos casados, embora durante os últimos anos da união não houvesse mais convivência entre eles.
Mãe de nove filhos (mas comentava-se que pelo menos cinco deles não eram filhos de Dom João), um deles Pedro, que seria imperador do Brasil; foram eles:
Dona Maria Teresa Francisca de Assis Antonia Carlota Joana Josefa Xavier de Paula Micaela Rafaela Isabel Gonzaga de Bragança. Nasceu a 29 abril 1793 em Queluz - Portugal, se casou com seu primo Pedro Carlos Antonio de Bourbon e Bragança (que faleceu em 26 de Maio de 1812) a 13 Maio de 1810 no Rio de Janeiro. Em segundas núpcias casou com com o seu cunhado e tio, o Infante Dom Carlos Maria Isidro, Duque de Madrid e Conde de Montemolin e Molina, que em 1834 enviuvara da Infanta Dona Maria Francisca de Assis. Dona Maria Teresa morreu a 17 Janeiro de 1874 em Trieste.
Dom Antonio de Bragança e Bourbon (Dom Antonio Pio). Foi Príncipe da Beira. Nasceu a 21 Março de 1795 em Queluz - Portugal e morreu a 11 Junho de 1801.
Dona Maria Isabel Francisca de Bragança, nasceu no Palácio de Queluz a 19 maio de 1797 em Queluz - Portugal, casou com o Rei Dom Fernando VII de Espanha seu tio, que já enviuvara de Dona Maria Antonia de Bourbon y Lorena, Princesa de Nápoles; a 29 Setembro de 1816 e morreu a 29 dezembro de 1818 em Madrid - Espanha.
Dom Pedro I de Bragança (Pedro IV de Portugal), nasceu a 12 Outubro de 1798 em Portugal, casou em 1817 com Maria Leopoldina Von Habsburg-Lothringen e morreu a 24 Outubro de 1834 em Portugal. Teve um segundo casamento com Amélia de Beauharnais. Foi esse aí que proclamou a independência do Brasil e foi o seu primeiro imperador.
Dona Maria Francisca Assis de Bragança, nasceu no Palácio de Queluz em 22 de Abril de 1800, casou em 1816, com o seu tio, Dom Carlos Maria Isidro, Infante de Espanha, falecido em 1815 e morreu em Gosport - Inglaterra, a 4 de setembro de 1834, estando sepultada na capela-mor da igreja católica da mesma cidade inglesa.
Dona Isabel Maria de Bragança, nasceu no Palácio de Queluz - Portugal, a 4 de julho de 1801; faleceu em Benfica - Portugal, a 22 de abril de 1876, estando sepultada no Panteão de São Vicente de Fora. Nunca casou, tendo sido regente do reino, de 6 de Março de 1826 a 26 de Fevereiro de 1828. Após a vitória da causa liberal manteve-se afastada da vida política.
Dom Miguel I de Bragança, nasceu a 26 outubro de 1802 em Queluz - Portugal; foi batizado com o nome de: Dom Miguel Maria do Patrocinio João Carlos Francisco de Assis Xavier Paula Pedro de Alcântara António Rafael Gabriel Joaquim José Gonzaga Evaristo Infante de Portugal; depois do golpe seu nome ficou sendo: Dom Miguel I Maria do Patrocinio João Carlos Francisco de Assis Xavier Paula Pedro de Alcântara António Rafael Gabriel Joaquim José Gonzaga Evaristo Rei de Portugal e Algarves, casou em 1851 com Adelheid zu Löwenstein-Wertheim Rosenberg e morreu a 14 novembro de 1866 em Carlsruhe, junto a Bronnbach - Viena. Foi esse cara aí que tentou depor o próprio pai. Se auto proclamou rei em 11 de Agosto de 1828; e foi deposto e enviado para o exílio por Dom Pedro I (seu irmão ex-Imperador do Brasil) em 1834.
Dona Maria da Assunção. Nasceu no Palácio de Queluz, a 25 de Junho de 1805; faleceu em Santarém - Portugal a 7 de janeiro de 1834; sepultada na Igreja do Milagre, de Santarém, e depois transladada para o Panteão de São Vicente de Fora.
Dona Ana de Jesus Maria Luíza Gonzaga Joaquina Micaela Rafaela Sérvula Francisca Antônia Xavier de Paula Bragança e Bourbon, nasceu no Palácio de Mafra a 23 outubro de 1806, casou em 5 dezembro de 1827 com Nuno José Severo de Mendonça Rolim de Moura Barreto (2.º Marquês de Loulé) e morreu a 22 junho de 1857 em Roma - Itália.
Em 1081 durante o episódio que entrou para e história como Guerra das Laranjas, no qual a Espanha deu apoio a França para invadir Portugal, Carlota Joaquina sai em defesa do marido e de Portugal, alertando seu pai por carta do perigo que todos corriam ao se envolverem com Napoleão; não deu outra, 7 anos depois toda a família real espanhola estava presa por ordem de Napoleão Bonaparte, menos é claro, ela que era casada com o Dom João VI e fugiu para o Brasil.
Infante da Espanha, Rainha de Portugal e Imperatriz Honorária do Brasil, Carlota Joaquina de Bourbon só tinha um aspecto em comum com seu marido; a feiúra aterradora; conta um artigo da época que:

"...A mulher era quase horrenda, ossuda, com uma espádua acentuadamente mais alta do que a outra, uns olhos miúdos, a pele grossa que as marcas da bexiga (bexiga: o mesmo que varíola. Nota do autor), ainda fazia mais áspera, o nariz avermelhado. E pequena, quase anã... Uma alma ardente, ambiciosa, inquieta, sulcada de paixões, sem escrúpulos, com os impulsos do sexo alvoroçados...".

Dona Leopoldina, uma de suas noras, que casou com Dom Pedro I, Imperador do Brasil, quando a viu pela primeira vez, achou-a tão feia que "baixou os olhos como não querendo voltar a vê-la; as marcas da varíola, o corte de cabelo, cordões e mais cordões de pérolas e pedras preciosas enroladas em seus cabelos, pendendo de seus cachos gordurosos como cobras". (trecho entre aspas extraído do diário de Dona Leopoldina).

Uma de suas filhas, Dona Maria Tereza, em conversa com Dona Leopoldina, revela na lata a personalidade de sua mãe:

"Nossa Mãe Dona Carlota Joaquina, temos de respeitá-la, mas é preferível sair do seu caminho. Você vai ouvir seus gritos até nas ruas mais distantes, quando ela tem um ataque de raiva, porque não lhe trazem jovens fortes... Ela é uma Bourbon e teve de casar com um Bragança, que não é uma estirpe boa. Com os portugueses tudo é indefinido... Pouca ambição, pouco espírito de luta. Os nossos pais não nos amam, eles nos separaram; Pedro (Dom Pedro I. Nota do autor) teve sorte de poder viver com o pai. Nós, as moças, as minhas duas irmãs e meu irmão Miguel tivemos de viver com ela... Meu pai mandou prendê-la num convento (o Convento da Ajuda no Rio de Janeiro, Nota do Autor), porque não podia mais confiar nela. Ela se oferece aos criados... No Convento da Ajuda tentaram conter o seu desejo com uma alimentação especialmente leve, mas voltou ainda mais briguenta, mais desajustada. Montevidéu ela quer só para si, ela a espanhola... Queria vender suas jóias para poder pagar uma conspiração que derrubasse nosso pai. Isso ela já havia feito em Lisboa, queria conseguir afastar o marido do trono, declarando-o incapaz... Os comerciantes na praça fofocam sobre a ninfomaníaca; ela encomenda manteiga irlandesa e trigo alemão, o veludo e as cortinas de tule da Itália, e manda o porteiro ir até a agência, para que lhe mandassem garotos. Ela mesma desce até o porto quando chegam navios da Europa; tem um interesse especial por aqueles que se declaram médicos, querendo que lhe expliquem e desenhem as partes do corpo humano... A maioria tem medo de tal mulher; e eu também". Dizia a infeliz filha.
Mesmo antes de a família real vir para o Brasil, Carlota insultava o rei insinuando que nenhum de seus filhos seriam dele; Pedro seria filho de um certo fidalgo chamado Marialva e Miguel filho de um jardineiro do Palácio de Ramalhão que supostamente Carlota teria mandado matar após ter engravidado dele. Em conseqüência desses desentendimentos formou-se uma verdadeira rede de intrigas na corte, e esta circuito atuava entre as duas partes e tornava este assunto, o predileto das fofocas do Rio de Janeiro. Se estava mau humorada, mandava chicotear transeuntes que não se ajoelhavam quando ela passava com seu cortejo.
Não era sem razão, portanto, que o real casal habitasse casas diferentes, ela na Chácara de Botafogo (esquina da antiga Estrada do Catete, atual Rua Marques de Abrantes com a Praia de Botafogo), ele em São Cristovão (na atual Quinta da Boa Vista/Museu Imperial).

A Chácara de Botafogo (também conhecida como Palácio de Botafogo) pertencia ao Sr. José Fernandes, filho do famoso contratador de diamantes Dr. Fernandes e da mais famosa ainda, a ex-escrava Chica da Silva.

Quando da chegada da família real no Rio de Janeiro vindo da Bahia, as melhores casa, mansões chácaras e palacetes foram desapropriados para hospedar os fidalgos da corte portuguesa; não a família real na pessoa de seus membros mais diretos, a esses, a própria elite da sociedade carioca havia oferecido imóveis como "presentes" aos reis e sua família, assim foi com a Quinta da Boa Vista em São Cristovão (presente de um riquíssimo negociante português chamado Elias Silva), uma casa na Ilha de Paquetá, a bela chácara de São Domingos na Praia Grande (presente de uma certa mulata, herdeira de muitos bens de seu falecido esposo o Sr. José Nunes), e outra na Ilha do Governador (presente de outro negociante rico). Quanto aos outros membros da parasita corte portuguesa, fidalgos ou não, esses foram viver em casas, chácaras e mansões desapropriadas pelo Príncipe Regente para esses fim.

O membro da corte andava pelas ruas acompanhado de um funcionário da coroa portuguesa, olhava para uma casa que lhe conviesse e dizia ao meirinho:

- Quero Esta!

O Oficial de Justiça que o acompanhava comunicava ao infeliz proprietário do imóvel que tinha a partir daquele momento 24 horas para deixar o imóvel e todos os móveis; a casa era marcada com um giz ou tinta azul com a sigla PR, que queria dizer Príncipe Regente, mas que os cariocas transformavam como sendo Ponha-se na Rua.

No caso da Chácara de Botafogo, aconteceu o seguinte:

O Diretor da Balança Real, um cargo sem nenhuma significância, foi procurar uma casa para ele e sua família; meteu-se pela Estrada do Catete indo dar na Praia de Botafogo; olhando para a belíssima chácara no centro de um lindo jardim estilo inglês, avisou ao "meirinho do rei" que queria essa chácara; o funcionário entrou e informou ao Sr. José Fernandes:

- Em nome do Regente, eu intimo o Sr. José Fernandes a ceder este imóvel ao Sr. Trancoso diretor do erário público!

- Certo senhor meirinho eu já esperava, aceitou o Sr. José Fernandes e continuou:

- O Sr. Trancoso vai querer os móveis também?

O funcionário do tesouro do rei olhando os móveis de jacarandá e pau-santo respondeu:

- Certamente Sr. Fernandes...

- Tudo bem, é seu. E os meus quadros? E meus vasos de Sèrves? (região onde se produzia os melhores cristais da Europa).

- Isto está incluído na mobília...

- E os meus livros?

- Também...

- E meu oratório com as imagens dos santos de minha devoção?

- Também, afinal eu sou cristão...

- Então fique com tudo...

- E minha escrava, arrumadeira, a cozinheira e o meu pajem?

- Também fico com eles Sr. Fernandes...

Então o Sr. José Fernandes foi até o quarto e buscou a sua esposa, uma mulata mineira de Diamantina, gorducha, e perguntou:

- Sr. Trancoso, essa é a minha esposa, o senhor também vai querer requisita-la em nome do Príncipe Regente?

O Diretor da Balança Real olhou, olhou e disse:

- Infelizmente a autorização do rei não permite isso. Se fosse permitido eu...

- Eu te enfiava uma faca na cara! Gritou a mineira gorducha... interrompendo a fala do Sr.Trancoso.

A tarde, neste mesmo dia, o Sr. José Fernandes, tendo perdido sua mansão, foi até ao Convento do Carmo (na atual Rua do Carmo), onde Dona Carlota Joaquina estava instalada provisoriamente e disse a ela:

- Senhora, a residência mais bonita de Botafogo está a sua disposição, com mobília, escravos e serviçais, permita que a ofereça a vossa majestade!

- Aceito! Respondeu Carlota.

No dia seguinte pela manhã, Trancoso e toda a sua família saíram de carruagem pela Estrada do Boqueirão da Glória (aproximadamente o que é hoje a Rua da Glória), entraram pela Estrada do Catete; Trancoso, todo satisfeito e orgulhoso chegou na chácara e deu de cara com a Princesa já instalada em sua nova residência.

- O que fazem aqui? Perguntou Dona Carlota a Trancoso.

- Beijar a mão de vossa majestade gaguejou o funcionário do erário da coroa.

- Ora, vá pentear macacos! Esbravejou a princesa. Estou cheia de rapapés e "beija-mãos"; ponha-se daqui pra fora com sua tropa e não me apareça mais aqui.
Era sabido por todos das aventuras amorosas de Carlota Joaquina, amorosa, é uma maneira de dizer, pois ao que se saiba era só sexo, nada mais. Além do mais ela representava constante perigo a autoridade do príncipe. O regente conseguia espiões para vigia-la e a princesa subornava outros tantos para estar sempre abastecida de informações do que ocorria no Palácio Real e na Quinta da Boa Vista.

É aí que entra o Sr. Francisco Gomes da Silva que tinha o apelido de Chalaça (chalaça=Dito de zombaria. 2. Dito picante. 3. Frase graciosa e satírica. Fonte: Dicionário Michaelis), sua alcunha seria o equivalente hoje em dia apelidar alguém de Palhaço. Ele, a princípio trabalhava para Carlota, mas depois foi pressionado pelo regente e passou a espionar sua mulher para ele; depois de vários relatórios feitos por Chalaça sobre as atividades sexuais da esposa, o príncipe regente teria em certa ocasião dito em público:

"...Na vida de Carlota, a moralidade morreu...".

Francisco Gomes que era filho do ourives da casa real, espionava Carlota a partir de suas idas e vindas a Chácara de Botafogo (também conhecida como Palácio de Botafogo), que era a residência da princesa. Ele era reposteiro do paço, cargo que cuidava do equipamento decorativo das residências oficiais do rei. Tendo o espião Chalaça descoberto muitas das peripécias sexuais de Carlota, relatou tudo ao marido Dom João; Carlota então foi tomada de um ódio figadal pelo puxa-saco do rei e seu traidor.

Certa vez Dona Carlota Joaquina subornou uma criada de sua filha, a princesa Maria Teresa para espionar o Chalaça; eis que essa criada, descobriu que de 13:00 ás 14:00h da tarde, horário da sesta do rei e dos príncipes; Francisco Gomes o Chalaça se encontrava com a dama de honra da casa real Eugênia Costa (que era casada com Antonio Costa fornecedor comercial do Palácio Real) para seções de sexo na salinha de costura da princesa Maria Teresa.

Foi numa quarta-feira a tarde que Dona Carlota Joaquina montou em um de seus cavalos e, saindo pela Estrada do Catete (atual Rua do Catete), cruzou o Largo do Machado, entrou pela Estrada do Boqueirão da Glória (atual proximidades da Rua da Glória); a direita ela tinha um caminho mais longo, porém mais saudável, beirando a Praia do Russel (atual Avenida Beira Mar e Aterro do Flamengo), a Praia Areia de Espanha (atual Avenida Augusto Severo e Monumento aos Pracinhas), e logo chegaria ao Paço (na atual Praça XV), mas, ela preferiu encurtar caminho, passando pelo fétido brejo próximo ao aqueduto dos Arcos da Lapa e tomando a Rua da Ajuda, e assim, num átimo como se dizia na época ela saiu da Chácara de Botafogo e apareceu nos aposentos do rei seu marido.

- João, disse Carlota, você mandou Francisco Gomes seu criado de confiança para me espionar e, confiando nele, disse que a moralidade em mim, havia morrido, agora vou lhe mostrar que essa tal moralidade que você tanto preza também é moribunda aqui no palácio. Quer Ver? Vamos até ali, na sala de costura de nossa filha.

- Você perdeu o juízo Carlota?

- Vamos ver, vamos ver... Respondeu Carlota.

O rei, vestindo roupão e chinelos, dirigiu-se a sala de costura. Lá estavam os dois amantes, Chalaça e Eugênia num canapé de jacarandá (pequeno e estreito sofá, em geral estofado com palhinha), no exato momento em que Francisco apertava contra o seu peito os gordos seios da dama de honra da casa real.

- Que canalhice é essa? Gritou o rei indignado com a cena.

- Perdão senhor, perdão! Disseram os dois ao mesmo tempo, de joelhos e tentando beijar as mãos de Dom João.

- Retirem-se para os seus aposentos! Isso é uma vergonha! Querem transformar o palácio num bordel? Gritou o rei enquanto os amantes se recompunham.

- João, disse Carlota Joaquina ao esposo, fico satisfeita do seu empregado de confiança ter dado uma grande demonstração de comportamento moral, te deixo aqui neste suave recanto de moralidade e volto para a minha casa, paraíso de devassidão segundo seus espiões. E sorrindo cinicamente saiu, voltando a Chácara de Botafogo.

O rei ficou muito contrariado com o episódio, não que ele não soubesse que coisas semelhantes ocorriam por todo o palácio, mas sim por ter presenciado e de Carlota ter sabido antes dele dos amantes na saleta de costura. Ele não gostava dessa devassidão, mas tolerava, por não ter muito o que fazer.

No dia seguinte ao ocorrido, João soube que Chalaça e Eugênia haviam fugido do palácio para uma chácara no Cosme Velho (hoje um bairro próximo ao Bairro do Catete de onde sai o bondinho para o Corcovado e o Cristo Redentor; na verdade, bem próximo de onde ficava a chácara de Dona Carlota). Ele mandou chamar o Ministro Thomaz Antonio.

- Thomaz, disse o rei, deu-se ontem aqui, um fato vergonhoso e impróprio desta casa. Surpreendi o reposteiro Francisco Gomes da Silva abraçado e aos beijos com a dama Eugênia, e acabo de saber agora que ambos fugiram deste Paço. Eles não podiam continuar no serviço e eu pretendia despedi-los simplesmente, sem escândalo. Mas diante do que aconteceu eu punirei o sedutor. Fiz esta minuta. Leve-a ao corregedor do crime e que o castigo se torne público como público já é o escândalo que esse malandro provocou.

Dois dias depois Carlota Joaquina, na sua residência de Botafogo, recebia a visita da filha Maria Teresa que lhe levava um exemplar da Gazeta do Rio de Janeiro.

- Então, filha, que novidades há no Paço?

- A maior de todas é o rapto da Eugênia Costa. Ela foi seduzida pelo reposteiro Francisco Gomes, e, tiveram a petulância de erigir minha saleta de costura, enquanto dormíamos a sesta, em templo de amor.

- E o que aconteceu ao Gomes?

- Ah! O Gomes foi bem castigado. Leia isto na “Gazeta do Rio”. Trouxe-lhe o jornal, porque sei que há de agradar-lhe uma notícia.

Pegando o jornalzinho oficial, Carlota Joaquina, gozando um de seu prazeres, que era a vingança, leu pausadamente, em voz alta:

“Sr. Corregedor do crime.

- Não devendo ficar impune o desatino em que caiu o reposteiro da Câmara Real Francisco Gomes da Silva, de aleivosamente aliciar e raptar uma dama de honor, é el-rei nosso senhor servido que vossa mercê faça intimar o sobredito reposteiro que não entre mais no Paço e que deve sair para fora da Corte, numa distância de dez léguas (seriam cerca de 60 Km hoje em dia. Nota do autor), até segunda ordem. O que participo a vossa mercê para que assim o execute. Deus guarde a vossa mercê. Thomaz Antonio.”

(mais tarde Chalaça se "exilou" em Itaboraí, hoje, uma cidade a cerca de 40 km do centro do Rio de Janeiro, mas que na época ficava muito distante, pois não havia a Ponte Rio-Niterói, que hoje atravessa a Baía de Guanabara fazendo com que o percurso entre o Rio e Itaboraí tenha se encurtado muito).

- Aí está, minha filha, como o rei, seu pai e meu marido, sem o querer, reconhece nos seus protegidos e meus inimigos, a devassidão e imoralidade que eles me atribuem. Eu, uma devassa, eles uns santos... Olha, minha filha, cá e lá más favas há. Ainda tenho esperanças de ver o favorito Lobato desmascarado. E há de ser, se Deus quiser... (Lobato foi eleito inimigo mortal de Carlota desde 1805 quando ele através de uma denúncia do Frei Franciscano Antonio de Andrade anunciou ao príncipe regente a tentativa de golpe de Carlota)

Era assim que a princesa cuidava de seus inimigos.
Dona Carlota desde cedo criou uma espécie de partido próprio, e em 1805/6 Dom João descobriu uma conspiração tramada contra ele por sua própria esposa (o episódio ficou conhecido como Conspiração de Alfeite). O camareiro do príncipe Mathias Antonio Lobato (que mais tarde ficou também conhecido como O Favorito), informou ao regente da existência do plano devido uma denúncia do Frei Antonio de Andrade. Junto a Carlota na trama estavam a seu lado vários nobres e eclesiásticos (o Duque de Cadaval, o Marquês da Ponte de Lima, o Conde de Cavaleiros, o Marquês de Alorna dentre outros), planejavam tirar do governo o regente, e prende-lo, declarando-o incapaz de gerir os negócios públicos; em uma declaração eles alegavam o apoio a Carlota baseado em que "ela soubera fazer-se estimada não só da aristocracia como da plebe". Quer saber de uma curiosidade incrível? Um conde estava envolvido na trama. O nome dele? O Conde de Sabugosa! Um Lobato, Mathias Antonio Lobato foi personagem de uma parte da história de Brasil e Portugal, outro Lobato dessa vez, Monteiro Lobato eternizou não o conde, mas sim o Visconde de Sabugosa em seu Sítio do Pica-Pau Amarelo; coincidência? Sinceramente eu não sei. Se um dia eu descobrir eu ponho aqui no site. O Conde de Sabugosa, Dom Vasco Fernandes César de Meneses, foi nomeado em 1720 vice-rei do Brasil título que a partir desta data se tornou permanente no Brasil até a chegada da família imperial, fugida de Portugal em 1808. O Conde de Sabugosa tinha experiência administrativa, visto que ocupou o mesmo cargo de vice-rei na Índia, onde fez um bom trabalho, combatendo a pirataria e tentando na medida do possível neutralizar a decadência que crescia nesta colônia portuguesa. No Brasil ele melhorou o sistema defensivo da costa, incentivou a exploração de minas de ouro na Bahia e foi ele quem ofereceu a colônia em 1724 a primeira academia literária brasileira, a Academia Brasílica dos Esquecidos.
A desgraçada situação a que chegou Portugal em 1807, fez com que marido e mulher se unissem por algum tempo, e a esquadra, que em novembro do mesmo ano conduziu o príncipe regente e Dona Maria I ao Brasil, levava também a bordo a astuciosa princesa. No Rio de Janeiro continuaram vivendo separados, reunindo-se apenas, quando eram obrigados a comparecer em alguma solenidade pública. Dona Carlota Joaquina não aceitava a inação política a que se via condenada, decidida, como estava, a dominar como soberana; e começando a perceber no Rio da Prata os primeiros sintomas de uma futura emancipação, concebeu o projeto de levantar para si um trono nas províncias espanholas da América, ou pelo menos, de governar como regente em nome de seu irmão Fernando VII.

Como eu disse, Carlota era irmã de Dom Fernando VII, Rei da Espanha, que foi deposto por Napoleão.

Na verdade, Carlota foi o único membro da Família Real Espanhola a ficar em liberdade depois de Napoleão prender quase todo mundo, seus pais e irmãos foram confinados na cidade de Bayonne na França. (uma curiosidade que não tem nada que ver com essa história: foi nesta cidade que surgiu a lâmina que se usava, - e, em alguns casos ainda se usa - na ponta de um fuzil, por este motivo esta lâmina ficou conhecida pelo nome de baioneta).

Quando de sua chegada ao Brasil, propuseram-lhe um plano mirabolante: Proclamar-se, ela própria herdeira das terras espanholas nas Américas, para dominar um grande império, que iria da Califórnia (América do Norte), a Patagônia (América do Sul). A Califórnia que atualmente pertence aos Estados Unidos, era na época uma possessão espanhola.
Assim, logo que chegou ao Brasil, Carlota Joaquina não deixou um instante de pensar na formação deste reino nas colônias espanholas. E com uma audácia e uma tenacidade dignas de nota, foi conduzindo as coisas, até que o seu agente em Montevidéu, José Salazar, lhe escrevera dizendo ter necessidade urgente de montar uma gráfica com uma máquina de impressão para confeccionar panfletos e proclamações, e também de um milhão de cruzados (moeda corrente no Brasil a época; mais de um século depois foi ressuscitado pelo ex-Presidente José Sarney no episódio que entrou para história como o Plano Cruzado), para a arregimentação de pessoal armado que deveria proclamá-la Rainha do Rio da Prata.

(as chamadas Províncias do Prata, são hoje a Argentina, Uruguai e Paraguai).

Um dia, quando Dom João VI estava na fazenda real de Santa Cruz (hoje, Santa Cruz é um grande bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro), Carlota se aproveitou e foi até a “Casa de Impressão Régia”. O Frei Tibúrcio da Rocha, que tomava conta da gráfica oficial, recebeu Carlota Joaquina com todas as honras e salamaleques do protocolo. A princesa tudo examinou e tudo viu. Depois perguntou ao diretor do estabelecimento:

- Vieram de Lisboa dois prelos (prelo era como se chamavam as máquinas de impressão), e 28 caixotes de tipos, não é verdade? (tipos, são letrinhas em alto-relevo esculpidas em cubinhos de chumbo, onde se passava tinta e imprimia-se como se fosse um carimbo de borracha do tipo que ainda se usa hoje em dia).

- É, Alteza, um, é o que usamos na impressão da “Gazeta do Rio de Janeiro”, que redijo. O outro ainda está encaixotado.

- Pois é esse que eu vim buscar. Meus negros estão aí fora e deverão levá-lo para minha casa. Com esse prelo irão comigo cinco caixotes de tipos.

- Mas, Alteza, sem ordem do Príncipe Regente ou do sr. Dom Rodrigo, como poderei entregar-lhe o que pertence ao Estado?

- Frei Tibúrcio, eu, a princesa Carlota Joaquina, filha do Rei de Espanha e esposa do Príncipe Regente de Portugal e Brasil, sou alguém neste país. E como um simples frade franciscano ousa se contrapor à minha vontade?

- Peço-lhe perdão, Alteza. Neste caso vou chamar o mestre de impressão régia José Bernardes de Castro, para com ele repartir a minha responsabilidade...

- Reparta suas responsabilidades com quem quiser. Eu levarei o prelo... Nesse ínterim apareceu a cara bexigosa (tinha sido vítima de varíola), do mestre José Bernardes, curvando-se, reverente, diante da princesa.

- Sr. José Bernardes, disse aflito o Frei Tibúrcio, Sua Alteza Dona Carlota Joaquina, sem ordem do sr. Príncipe Regente, nem do sr. Conde de Linhares (Rodrigo Domingos de Sousa Coutinho Teixeira de Andrade Barbosa) , quer levar para a sua residência um dos prelos e mais uns caixotes de tipos...

- Eu acho, Frei Tibúrcio, que diante de uma ordem de Sua Alteza Dona Carlota, nós, humildes vassalos, nada mais temos que fazer a não ser cumprir.

- Então os senhores mostrem aos meus negros o prelo e os caixotes de tipos, ordenou a princesa.

- Perfeitamente, Alteza, retorquiu o Mestre Bernardes. Suas ordens serão cumpridas, entretanto, como Vossa Alteza sabe, o Ministro Dom Rodrigo o Conde de Linhares, é de uma severidade pavorosa. Rogamos a Vossa Alteza Real dar-nos essa ordem por escrito, para evitarmos o castigo do sr. conde e a ira do sr. Príncipe Regente.

- Pois sim. Darei por escrito uma requisição que faço pessoalmente aqui.

O frade trouxe papel, tinta e uma pena de pato, Dona Carlota escreveu irritada:

“Ao Mestre José Bernardes e ao redator Frei Tibúrcio, da Impressão Régia, ordeno a entrega imediata de um prelo e cinco caixotes de tipos aos serviçais de minha casa: José, Venâncio, Antonio e Prudêncio, ficando essa requisição sob minha exclusiva responsabilidade”.

E em baixo, rabiscou: Carlota Joaquina de Bourbon, Princesa do Brasil.

De posse do prelo e dos tipos, os fez transportar imediatamente para o barco Bellesten, que levou para o caudilho José Salazar, agente político de Carlota Joaquina em Montevidéu e Buenos Aires. Tanto Dom João, como o Ministro Conde de Linhares, ficaram loucos com o caso. Mestre Bernardes e Frei Tibúrcio, foram demitidos apesar de exibirem a requisição assinada pela princesa. A polícia nada pode fazer, porque o barco, uma hora depois de receber os caixotes para o Rio da Prata, zarpou rapidamente. E foi assim que, com um prelo da “Impressão Régia” do Rio de Janeiro, arrancado na base do "Sabe com quem está falando?", pela princesa Carlota Joaquina; Salazar imprimiu em Montevidéu e depois em Buenos Aires os seus famosos boletins políticos que hoje constituem uma raridade bibliográfica da história Argentina e Uruguaia, e o famoso Frei Cirilo do Espírito Santo com ele fundou o primeiro jornal das Províncias do Prata com o nome de “A Gazeta do Prata”.

Foi fácil para Carlota Joaquina arranjar o material para impressão que lhe pedira José Salazar. Agora, o que não foi fácil (e acabou se tornado impossível), foi conseguir o milhão de cruzados que ele havia solicitado a princesa junto com a máquina de impressão. A princesa recorreu a todos os ricaços da cidade, pedindo empréstimos, e todos, chorando miséria, alegavam que o que tinham haviam emprestado ao erário público. No final, ela recorreu, num golpe decisivo, ao nababesco Visconde do Rio Seco, o todo poderoso do comércio de brilhantes no Rio de Janeiro e famoso proprietário de minas de ouro. Mandou chamá-lo e sem rodeios nem firulas, foi logo dizendo:

- Sr. Visconde, eu sei que é amigo de meu marido e, portanto meu desafeiçoado...

- Ora, Alteza, pelo amor de Deus, não me faça essa injustiça. Sou o mais devoto vassalo do Príncipe Regente, mas também admirador das excelsas qualidades de sua Alteza a Princesa Carlota Joaquina.

- Deixemos de falsidades, sr. Visconde. Eu sei bem as coisas, como as coisas são. O sr. é um grande conhecedor de pedras preciosas e é um dos mais espertos negociantes do Rio de Janeiro. Pois bem, mandei chamá-lo para que o sr. avalie as minhas jóias.

- Vossa Alteza ordenou, e aqui estou para cumprir as suas ordens.

Carlota Joaquina apanhou de cima de uma estante um cofre de jacarandá, dele tirou um punhado de lindas jóias. E, uma a uma, o Visconde do Rio Seco foi examinando as jóias da princesa do Brasil e fazendo rabiscos numa folha de papel. Depois examinou atentamente as anotações, fez várias somas, e disse:

- Alteza, as jóias têm dois valores: Valor real e valor negociável. Aqui, por exemplo, este diadema de brilhantes, rubis e esmeraldas...

- É presente do meu pai, Carlos IV da Espanha. Interrompeu Carlota.

- Sim, Alteza, deve ser um presente de rei. Não teria custado à Casa Real de Espanha menos de 200.000 cruzados, no barato. Entretanto, se vossa alteza quisesse vendê-lo a um negociante de jóias, ele lhe daria no máximo 120.000 cruzados...

- Bem sei. Vejamos o conjunto. Quanto valem todas as minhas jóias para serem, vendidas ou empenhadas num judeu qualquer?

- As jóias de vossa alteza valem um milhão e oitocentos mil cruzados. Mas para serem vendidas ou empenhadas, vossa alteza poderia encontrar quem lhe desse um milhão e duzentos mil cruzados ou, no máximo, um milhão e meio...

- Pois bem, sr. Visconde. Essas jóias são minhas. Eu as vendo por um milhão de cruzados... Sei que o sr. é o homem mais rico do Brasil e que seus haveres valem muitos milhões. Quer comprá-las, sr. Visconde?

- Alteza, realmente seria para mim excelente negócio comprar essas jóias por um milhão de cruzados. E eu seria um hipócrita se dissesse a vossa alteza que não tenho recursos suficientes para tal compra, quando vossa alteza sabe que a pouco tempo emprestei ao sr. Príncipe Regente dois milhões de cruzados e sou o maior credor do erário público. Entretanto...

- Entretanto o que?

- Entretanto, contra o meu próprio interesse de negociante de pedras preciosas, eu não poderia negociar com vossa alteza porque o meu soberano, vosso esposo, me proibiu de fazer qualquer negócio de dinheiro com a senhora princesa...

- Ah! O patife me desmoraliza e me persegue...

- Alteza, não se afobe...

- Está acabada a nossa reunião sr. Visconde. Pode retirar-se e se quiser vá direto contar ao príncipe regente que eu, a filha de um rei de Espanha e princesa deste imundo país de negros e covardes, quis vender as minhas jóias para fugir desta podridão do Rio de Janeiro.

O Visconde do Rio Seco foi mesmo ao Paço no dia seguinte, e Dom João, que regressava da Fazenda Real de Santa Cruz, recebeu-o com prazer.

- Então, sr. visconde, quais as novidades?

- Vim, como é meu dever, relatar um caso que deve interessá-lo muito...

- Razões de Estado?

- Talvez, Alteza.

- Então fale, homem!

- A princesa Carlota Joaquina mandou me chamar ao seu Palácio de Botafogo e depois de exibir todas as jóias que tem, quis negociá-las comigo, por um milhão de cruzados.

- E você o que disse?

- Disse que não podia tratar de assunto de dinheiro com nenhuma pessoa da casa real, sem ordem de Vossa Alteza.

- Muito bem, sr. visconde. Agradeço a comunicação, que me esclarece um caso. O sr. visconde vai agora passar pela secretaria do estado e mande-me de lá o Lobato (secretário particular, conhecido como O Favorito do Rei), e o Intendente de Polícia, com os quais preciso falar imediatamente. E muito obrigado, sr. visconde...

Dom João, o favorito Lobato e o Intendente de Polícia estavam reunidos na sala de despachos do príncipe regente que comentava:

- Pois é, Sr. intendente. Está tudo explicado. O gringo Salazar, na carta agradecendo a remessa do prelo, reclama da Princesa o milhão de cruzados que lhe prometera para o levantamento de tropas que a proclamarão Rainha do Reino do Rio da Prata. Você já leu a cópia dessa carta, Lobato?

- Não, Alteza.

- Pois aqui está ela, disse Dom João, tirando de uma gaveta uma cópia da carta. Como sabe, o intendente de polícia tem dez dos seus melhores agentes em torno da princesa. Um deles pôde embriagar um enviado do Salazar e cuidadosamente abrir e tornar a fechar uma carta do caudilho para a princesa. Leia.

E o favorito Lobato pegou a cópia da carta e leu:

- “Senhora Princesa. Os negócios políticos do Rio da Prata vão de vento em popa. Falta-nos agora somente o milhão de cruzados que Vossa Alteza prometeu para levantarmos o povo e proclamarmos Vossa Alteza Real como Rainha do Rio da Prata. Recebemos o prelo e agradecemos. Insistimos pela remessa do dinheiro, porque o retardamento pode prejudicar nossa santa causa. Beijo as mãos de Vossa Alteza Real. O vassalo reverente e devoto - José Salazar.”

Lobato devolveu a carta a Dom João.

- Que tal, Lobato?

- Esse Salazar é um homem perigoso...

- Mais perigosa é a minha mulher, Lobato...

Nesse ponto da conversa o favorito pediu licença ao príncipe para avisar ao Intendente de Polícia que um dos seus agentes estava à sua procura, para um caso de urgência. O intendente saiu e logo após voltou, esbaforido, para contar ao príncipe que a princesa Carlota Joaquina não conseguindo vender as jóias, entregara o cofre inteiro ao seu ex-escravo Felisbino, de sua absoluta confiança e que deveria levar o referido cofre a bordo do cargueiro Santa Maria, onde o esperava o irmão de Salazar. Dom João, ao ouvir aquela notícia, virou-se para o Intendente de Polícia e disse:

- Sr. intendente, ponha em ação imediatamente toda a polícia do Rio de Janeiro. Eu quero aqui na minha presença, hoje, sem falta, de qualquer forma, nem que seja necessária de uso de violência, o irmão de José Salazar, o crioulo Felisbino e o cofre de jóias da Princesa Carlota Joaquina. Do êxito dessa missão depende a sua permanência no cargo. Se não me trouxer essa gente aqui e mais as jóias da princesa, considere-se demitido do seu cargo a bem do serviço público.

- Alteza...

- Nada de palavras, quero atividade. Pode ir, sr. Intendente...

E o intendente lá se foi com a cabeça quente e o coração agoniado pela ameaça de demissão a bem do serviço público. A Polícia do Rio de Janeiro movimentou-se nesse dia como nunca. O intendente teve a felicidade de conseguir levar à presença do Príncipe Dom João o cofre das jóias da Princesa Carlota Joaquina, o Florêncio Salazar, irmão do caudilho de Montevidéu, e o ex-escravo Felisbino, pessoa de confiança da princesa, de quem era uma espécie de cão perdigueiro, fiel até a morte, se preciso fosse.

- Então, sr. Salazar, o sr. veio aqui ao Rio de Janeiro conspirar contra o sossego do Estado, não é? disse o Príncipe Regente ao gringo.

- Alteza, eu apenas recebi das mãos de um emissário de vossa esposa uma carta e um cofre de jóias para entregar em Montevidéu a José Salazar, que é meu irmão.

- Muito bem. E o que veio fazer aqui no Rio?

- Entregar uma carta do Cabildo (o equivalente a governador no Brasil, cabildo também pode ser usado para designar o prédio onde o governo tem sede. Nota do autor), à Senhora Princesa.

- Estou satisfeito com o sr., porque não está mentindo. Já sabia de todos os seus planos aqui no Rio. Não mandei prendê-lo antes porque esperava esta oportunidade.

- Alteza, como deve saber, sou um humilde secretário da Câmara de Buenos Aires, e fui a Montevidéu a chamado de meu irmão para servir de intermediário de confiança entre ele e a Princesa Carlota Joaquina.

- E que pretende o Cabildo de Montevidéu com os seus manejos políticos?

- Proclamar Rainha do Rio da Prata a esposa de Vossa Alteza.

- Muito bem... Muito bem. Vou mandar detê-lo por algum tempo e depois poderá ir sossego para os seus campos no Prata. Porém, se depois disso for encontrado de novo no Rio, será enforcado sumariamente.

Em seguida, Dom João mandou prender na prisão do estado, incomunicável, o irmão de José Salazar. Depois, passou a interrogar o Felisbino:

- Felisbino, qual foi a sua participação neste caso?

- Senhor, respondeu o criado da Princesa, eu fui escravo da esposa de Vossa Alteza. Ela me deu alforria e me trata como branco... Embora liberto, considero-me escravo da Princesa. Ela me disse que preferia que eu morresse a falar sobre este caso, e eu, prefiro morrer...

- Pois não vai morrer Felisbino. Vai apenas passar algum tempo no pelourinho... E em seguida o príncipe mandou por no tronco o Felisbino. Depois, na presença do intendente de polícia, despejou as jóias do cofre em cima da mesa, examinou-as detidamente, e, suspirando, murmurou:

- Eu me entristeço só em pensar que lá iam estes dois milhões de cruzados em pedras preciosas para um gringo platino, desfalcando a casa real de suas riquezas.

Em seguida, virando-se para o intendente de Polícia, ordenou:

- Sr. Intendente, vá buscar imediatamente o ourives da casa real Antonio Gomes da Silva (pai de Chalaça o ardiloso funcionário do paço que era espião duplo, de Carlota e João), na Rua Direita (atual Rua Primeiro de Março), e traga-o à minha presença, ficarei aqui esperando.

- Sim, Alteza. É só o tempo de ir e vir, e logo aqui estarei com Antonio Gomes.

E assim aconteceu, logo o intendente estava de volta com o ourives real.

- Sr. Gomes, disse o Príncipe Regente, o sr. no mais breve espaço de tempo possível vai substituir estas pedras preciosas, nestas jóias, por pedras falsas. Quero um serviço rápido e bem feito. Quanto tempo levará para isto?

- Alteza, levaria pouco tempo.

- Sr. Gomes, manter o seu título de Ourives da Casa Real e uma gratificação de mil cruzados, valem bem um servicinho rápido de dois dias não vale?

- Bem Alteza, depois de amanhã, às duas horas da tarde, aqui estarei com o serviço pronto.

- Vá com Deus, sr. ourives...

No dia e hora determinada apareceu no Paço o ourives com as jóias da Princesa Carlota Joaquina.

- Alteza, o prazer em servir um príncipe tão generoso, me deu agilidade para em tão curto espaço de tempo fazer o serviço de seu agrado.

- Lobato, disse Dom João, escreva uma ordem de pagamento de mil cruzados ao nosso ourives. Feita a ordem se despediu do ourives Gomes.

Dom João com o Lobato, examinaram o trabalho de substituição e acharam perfeito. Depois o príncipe se dirigiu ao cofre forte do Paço, e dele retirou uma caixa decorada, abriu-a à vista do favorito.

- São os meus guardados, seu Lobato. Aqui estão nada menos de vinte milhões de cruzados em brilhantes brasileiros. Os brilhantes da princesa, minha esposa, ficarão em boa companhia. Ficarão aqui melhor do que no Rio da Prata, transformados em carabinas e balas...

Em seguida, olhando as pedras desmontadas das jóias de Carlota Joaquina, o Príncipe Regente do Brasil despejou na caixa, os brilhantes e recolocou essa caixa no cofre forte, mandou entrar o Intendente de Polícia, a quem ordenou, fosse, em seu nome, buscar sua esposa Carlota Joaquina no seu Palácio de Botafogo (também chamada de Chácara de Botafogo), para um negócio de Estado. Enquanto o intendente cumpria as suas ordens, Dom João relia em voz alta a carta de sua esposa ao chefe do cabildo de Montevidéu, José Maria Salazar, escrita nestes termos:

- “Amigo e devotado Salazar, recebi a sua carta agradecendo o prelo que lhe mandei, tirado por mim da “Casa de Impressão Régia”. Não lhe podendo mandar em dinheiro o milhão de cruzados para a movimentação das tropas que me deverão proclamar Rainha do Rio da Prata, mando-lhe todas as minhas jóias no valor de quase dois milhões de cruzados, para serem vendidas aí ou empenhadas. Daqui a dois meses, embarcarei secretamente para Montevidéu, aonde me porei à frente dos soldados em marcha para Buenos Aires, em cuja Catedral espero ser coroada pelo Bispo Antonio, conforme o combinado. Penso que os dez mil soldados prometidos serão o bastante para a nossa patriótica e santa missão de levantarmos no rio da Prata um reino, que será um dos mais ricos do mundo, em futuro bem próximo. Venda ou empenhe as minhas jóias em benefício da grandeza e prosperidade do Rio da Prata. Carlota Joaquina de Bourbon”
Francisco Gomes (o Chalaça), veio ao Rio de Janeiro as escondidas vindo de Itaboraí (cidade do atual Estado do Rio de Janeiro, onde estava vivendo com Eugênia Costa na casa do Padre Feliciano de Castro, depois do caso da saleta de costura onde foi pego em flagrante, em ato sexual com a referida dama de honra), para com seu pai que era o ourives oficial da casa real, ajudá-lo na troca das pedras das jóias da princesa Carlota (o pai de Chalaça tinha loja na Rua Direita atual Rua 1º de Março), viu nas mãos do seu pai um brilhante cor de rosa que estava sendo substituído por um "berilo" (berilo, é uma pedra semipreciosa composta de silicato natural de berílio e alumínio. Fonte: Dicionário Michaelis), reconheceu ser de uma das jóias de Carlota Joaquina; furtando a pedra que estava sob responsabilidade de seu pai, foi até a Chácara de Botafogo; lá, com muita dificuldade foi recebido pela princesa; contou o episódio da troca das pedras de suas jóias por pedras falsas, e segundo consta, foi premiado por Carlota com a própria pedra, além de pedir a princesa que convencesse o marido de Eugenia Costa, Antonio Costa, um fornecedor comercial do palácio, a recebe-la de volta como esposa, assim como que ela voltasse a trabalhar para sua filha Maria Tereza. Chalaça não fazia isso por amor ou remorso, mas sim porque Eugenia estava atrapalhando a sua vida em Itaboraí e atrapalharia mais ainda em um eventual regresso ao Rio de Janeiro.
Carlota desconfiava do seu agente em Buenos Aires, o Salazar, pelo fato de ter recebido uma carta dizendo que não pôde vender as suas jóias para arregimentar soldados armados, em virtude delas serem falsas. Chalaça ao contar o episódio da substituição das pedras, tratou de tirar a culpa de seu pai o ourives (que na realidade só estava cumprindo ordens do príncipe e ainda foi ameaçado de perder sua posição caso não cumprisse suas ordens, mesmo tendo recebido 1.000 cruzados pelo serviço), e enfatizou a culpa de Dom João.

O irmão de Salazar foi embarcado numa fragata com as jóias falsas sem saber, Felisbino o criado fiel de Carlota foi açoitado e a princesa ainda não sabia de nada, mas a partir da intriga de Chalaça e com a mostra do brilhante que ele roubou das mãos de seu pai, comprovando sua história, tudo isso mudou.

- Senhor, disse Lobato, O Favorito de Dom João, a senhora Carlota Joaquina está aí na antecâmara, e quer falar imediatamente a Vossa Alteza Real.

- Ela está com boa cara, Lobato?

- Parece que não, Alteza.

- Pois então mande-a entrar e fique ao meu lado.

- O sr. intendente de polícia quer uma audiência e também está na antecâmara.

- Depois da Princesa mande-o entrar.

Logo depois Dom João, cinicamente perguntou à esposa:

- Então a que devo a súbita honra da visita da minha amada mulherzinha, a quem não vejo há três meses?

- João, disse Carlota Joaquina, vim aqui pedir para abrir o cofre dos brilhantes da coroa e escolher um deles. Depois de amanhã nossa filha Maria Thereza faz aniversário e desejo dar um brilhante de presente.

- Ora, é com prazer satisfaze essa sua vontade, tudo para a minha filha.

Em seguida, o Príncipe Regente foi ao cofre forte, e dele retirou uma caixa de fundo azul, e expôs aos olhos da mulher milhares de quilates em pedras preciosas. Carlota Joaquina olhou todas aquelas gemas admiráveis, e depois de quase meia hora de procura, destacou uma pedra cor de rosa, olhou de encontro à luz. Verificou então que aquela pedra era um berilo, o tal berilo cor de rosa, a que se referira o Chalaça. Obtida a certeza de que Chalaça não havia mentido, virou-se para o Príncipe Regente, e de supetão, correndo para ele, ameaçadoramente, gritou enfurecida:

- João, tenho certeza absoluta que os meus brilhantes estão aqui e que as minhas jóias foram alteradas com pedras falsas.

- Ora, que maluquice é essa? Então eu, que tenho mais de vinte milhões de cruzados em pedras preciosas, precisaria furtar os seus brilhantes, mulher?

- Precisar, não precisa, mas que você os furtou, isso furtou...

Virando-se para o Lobato, disse Dom João, já temeroso e fechando a caixa:

- Lobato, chame o intendente da polícia para ser testemunha de um crime de lesa-majestade: uma princesa que chama o Regente de ladrão de jóias...

O favorito, percebendo que Dom João estava intimidado com a atitude da esposa, foi à antecâmara e trouxe consigo o intendente de polícia.

Quando o chefe de polícia chegou, Dona Carlota tentou inverter a situação dizendo:

- Sr. Intendente, disse Carlota Joaquina, eu acuso o Príncipe Regente de ter furtado os meus brilhantes. Minhas jóias, apreendidas pela Polícia no barco Bellesten, foram trazidas aqui e o Príncipe Regente ordenou ao ourives da casa real, o sr. Antonio Gomes, que substituísse os brilhantes verdadeiros por falsos, restituindo-me, dois dias depois, o cofre apreendido. É um caso de furto. Eu acuso...

Essas informações foram passadas a princesa por Chalaça; mais tarde essa situação mudaria várias vezes com Chalaça hora traindo um, hora traindo o outro.

- Alteza, disse o intendente, esse caso...

- Esse caso, continuou Dom João, é mais uma loucura de quem vive no mundo da lua, como a maldita mulher que Deus me deu.

- Eu sou louca, mas nunca furtei ninguém. Quero os meus brilhantes, e daqui não saio sem eles.

Pálido, nervoso e apavorado Dom João não sabia o que fazer, quando o favorito Lobato interveio:

- A senhora Carlota Joaquina mandou brilhantes ao Cabildo de Montevidéu e o cabildo recebeu pingos d’água (imitação barata como as bijuterias de hoje em dia), segundo afirmam.

- Afirmam, não. É verdade, interrompeu Carlota Joaquina.

Recuperando a calma, e se sentindo mais seguro pela presença do Lobato e do intendente de polícia, Dom João respirou; já senhor de si e falou:

- Senhora minha esposa, o seu cofre de jóias esteve dois dias comigo, depois foi entregue à você e em seguida foi para as mãos do irmão do Salazar. Um de nós três deveria ter feito a substituição dos brilhantes verdadeiros por falsos. Você não foi, é claro, porque é a prejudicada. Logo, ficaremos na berlinda eu e os gringos de Montevidéu. Este Salazar, que é um mestiço de índia guarani com catalão, pertence a uma raça de aventureiros. É um audacioso carbonário, que pretende levantar revoltosos contra o rei de Espanha, meu sogro e pai de minha mulher (tudo isso dentro do maior cinismo possível), Salazar é um mercenário louco por dinheiro. Um mameluco, digo eu. Eu sou o esposo da vítima, Regente do reino, descendente de reis e futuro rei (nota-se que João ainda era apenas príncipe regente pois sua mãe mesmo louca e internada num convento Carmelita no Rio de Janeiro, tecnicamente ainda era a soberana), tendo mais de vinte milhões em brilhantes brasileiros. Serei eu o ladrão?

- Tenho certeza que o caudilho Salazar não é o ladrão, gritou Carlota Joaquina.

- E se jurar que sou eu o ladrão, mandarei prendê-la por crime de lesa-majestade, bufou o Regente, fingindo uma cólera repentina. E acrescentou:

- Sr. Intendente, se minha mulher disser agora ou depois que sou eu o ladrão dos seus brilhantes, tem ordem expressa para prendê-la e tranca-la no Convento da Ajuda, incomunicável.

- Pois eu juro... Falou normalmente Carlota.

- Não jure, senhora, não jure, sussurrou ao lado o favorito Lobato, tentando contemporizar a situação, Vossa Alteza está na presença do Regente do Reino de Portugal, Brasil e Algarves.

Depois de muita discussão, acusações de ambas as partes e de um longo relato de Dom João a respeito de um caso antigo de uma remessa de ouro que saiu de São Paulo para Lisboa e lá quando abriram as caixas de ouro só encontraram barras de chumbo...

- E agora, senhora minha esposa, está vendo como o diabo faz das suas? O mesmo diabo que em 1728 transformou o ouro do rei em chumbo, com certeza fez dos seus preciosismos brilhantes em uns vagabundos pingos d’água. Coisas do Diabo, minha querida esposa. E agora não vá jurar por aí afora que o Regente furtou os seus brilhantes: como soberano absoluto poderei mandar cortar-lhe a cabeça, tal qual o rei Henrique VIII costumava fazer as suas mulheres teimosas, e como esposo injuriado, se não quiser condená-la à morte, poderei encerrá-la num convento pelo resto de sua vida.

Carlota Joaquina não pôde conter-se. Levantou e com um olhar de ódio para o marido, num gesto de revolta raivosa, do jeito que só algumas mulheres sabem fazer, gritou na sua na cara:

- Ladrão! Cínico!

- Prenda essa mulher, sr. Intendente, e leve-a até segunda ordem para a clausura do Convento da Ajuda, ordenou o Príncipe Regente, num acesso de raiva repentina contra a esposa. E lá se foi Carlota Joaquina como prisioneira do Estado para o Convento da Ajuda, dizendo do Regente as piores coisas deste mundo...
Aliada aos frades, aos nobres, aos que se mostravam pouco simpáticos ao novo regime de monarquia constitucional, urdia a conspiração chamada da Rua Formosa, destinada a obrigar o rei a abdicar e a destruir a Constituição.

Falhando esse plano, as cortes de 15 de Maio de 1822 decidiram deportar a rainha para o Palácio do Ramalhão, as punições foram reduzidas, muito em função de seu estado de saúde estar péssimo; a decisão da sentença foi adiada até que fosse feito um relatório por uma junta médica.

Finalmente o relatório constatou uma avançada enfermidade pulmonar e graves problemas no fígado no texto ainda constava que ela corria "perigo iminente de vida".

De qualquer maneira ela perdeu seus direitos e dignidades de rainha.

Em 1823, neste retiro tramou ainda a queda da Constituição; e servindo-se de seu filho o infante Dom Miguel, que ela educara, e com quem vivia intimamente, conseguiu realizar o movimento conhecido por Vilafrancada em 26 mês de Maio. Derrubada a Constituição e dissolvidas as cortes, foi revogada a prisão da rainha, e o próprio Dom João VI assinou o "Decreto de Reintegração da Rainha Carlota Joaquina nos seus direitos" e a foi buscar na Quinta do Ramalhão, conduzindo-a ao Paço da Bemposta.

Pouco tempo, porém, durou a harmonia entre os dois esposos, porque a rainha mudou a sua residência para Queluz, e tornou-se cabeça do partido absolutista que dentro em pouco promoveu a Abrilada a 30 de Abril de 1824 que previa a derrubada de Dom João VI em favor de Dom Miguel. Tendo a rainha tomado parte ativa e manifesta nesse movimento, quando Dom João VI, apoiado nos embaixadores francês e inglês, se decidiu a mandar sair do reino o infante Dom Miguel, para uma viagem ao estrangeiro, para que "distraísse das más companhias" ordenou que sua mulher se recolhesse ao Paço de Queluz, e nunca mais aparecesse na corte. A 10 de Março de 1826 faleceu Dom João VI envenenado, tendo previamente nomeado uma regência presidida por sua filha, a infanta Dona Isabel Maria, e composta do cardeal patriarca, Duque de Cadaval, Marquês de Valada, Conde dos Arcos e os seus Ministros de Estado.

Em 1828 Dom Miguel retorna e é proclamado Rei de Portugal.

Dona Carlota Joaquina durante o governo de Dom Miguel, auxiliou-o quanto pôde, vindo a falecer pouco tempo depois.

Em 1834 o Ex- Imperador Brasileiro Dom Pedro I colocou Dom Miguel para correr.

Dona Carlota Joaquina (que mulherzinha heim?!), morreu em Lisboa, no Palácio de Queluz, na tarde de 7 de janeiro de 1830.

Sonhos de briga, mudez, pedra e insegurança

Durante a noite outra vez "Ágape" adentrou em seu mundo onírico. Exatamente às duas horas da madrugada ela acordou e a primeira coisa que fez foi anotar seus sonhos: “Eu estava brigando com minha mãe, mas não era a minha mãe atual e real. Eu estava emudecida igual uma pessoa que perde a fala ao ter uma crise nervosa e falava praticamente só mexendo os lábios. Eu perguntava a ela o motivo dela fazer aquilo comigo e dizia que sua atitude estava me causando graves problemas visuais e na fala. Ela tinha o cabelo cortado muito curto, como se houvesse tido a cabeça raspada há alguns meses atrás. No que ela começou a dar indícios de arrependimento do que fizera outra vez comigo (não consegui identificar exatamente o quê) e foi para me abraçar, eu afastei cheia de receios e desconfiança. Nisso apareceu outra mulher e me levou com ela. Eu apoiei-me nela quase desfalecida, mas com o decorrer da caminhada fui me sentindo melhor. Num determinado momento começamos a passar pelo entremeio de várias construções que mais parecia uma construção gigante. Havia algumas partes sem saída e para não perder o rumo certo eu comecei a seguir rapidamente uns rapazes que também passavam por ali. Acabei deixando-a para trás e fui sair num local do qual fiquei sem graça de estar, pois parecia uma propriedade particular da qual não fora convidada para entrar. Enquanto olhava o local fiquei esperando pela mulher que, nesse momento do sonho, relacionei-a a palavra tia. Eu estava numa espécie de rampa. Se descesse ia sair numa área com uma piscina linda e, se subisse, ia sair num restaurante donde algumas pessoas alimentavam-se. As pessoas estavam bem aparentadas e não entendi se aquele local era o interior de alguma mansão, uma espécie de shopping, uma universidade ou quem sabe até uma casa de encontros. Nisso eu acordei”.
Ao amanhecer eis mais um trecho onírico: “Sonhei que eu houvera ido a uma loja de produtos esotéricos e gostei de uma pedrinha preta que decidi comprar. Eu coloquei-a no bolso e fui olhar outras coisas quando pensei que não poderia tê-la colocado no bolso, pois se alguém visse ia achar que eu estava com intenção de roubá-la levando-a de modo desapercebido. O jeito seria ficar com ela na mão mesmo e, quando tirei do bolso da calça, a pedra estava meio transparente. Intrigada eu chamei uma atendente e pedi explicação. Ela me levou para ver outras pedras daquela já quase totalmente transparentes e disse que aquela era uma pedra de limpeza magnética e de purificação astral. Quando ficasse toda transparente significaria que minha vibração estava equilibrada e meus fluidos energéticos estavam positivamente carregados. Depois era só deixar a pedra sozinha e ela voltava a ficar escura. As outras pedras que ela me mostrou estavam na mesa de um rapaz que era profissional em verificar a aura e estava terminando a consulta de uma mulher que se retirou. Num instante era eu quem estava fazendo minha consulta. Ele fez algumas anotações enquanto eu parecia dispersa olhando tudo minuciosamente. Havia outros profissionais fazendo outros trabalhos místicos por ali. Fiquei de receber o resultado depois.
Aqui o sonho teve uma pausa, provavelmente uma parte esquecida. Sei que dentro do sonho eu estava de paquera com um rapaz que parecia estrangeiro e falava o português todo enrolado. Ele era muito bonito, aparentemente bem sucedido e desenvolto para falar, apesar de ainda ter dificuldade na pronuncia e não saber várias palavras. Eu estava com uma turma de pessoas conhecidas apenas dentro do sonho e todos pareciam torcer pela nossa união. Aqui coube outra pausa, pois na seqüência eu já estava andando com duas mulheres quando começou a chover. Uma delas foi embora correndo e a outra se escondeu comigo na entrada de uma casa donde já havia um amigo nosso refugiando-se da chuva lá também. Enquanto ali estávamos a mulher me perguntou o que eu achara do rapaz estrangeiro. Respondi que ele era interessante, mas desdenhei do fato dele não saber falar português corretamente. Em verdade o desdenho era para não demonstrar que eu desacreditava no fato dele ter se interessado por mim. Uma vez que me julgava aquém para ele, demonstrava que ele era alguém mais ou menos para mim também. De repente ele apareceu do nada vindo do interior da casa como se tudo aquilo fosse algo programado para eu encontrá-lo. Fiquei sem graça pelo que dissera, mas por sorte ele não escutara. Entretanto senti que nosso interesse um pelo outro não era algo sentimentalmente forte. Entramos na residência e nisso alguém me entregou o resultado do exame da aura. Fiquei intrigada, pois o endereço do envelope estava destinado para aquele local donde estávamos, ou seja, não era o endereço que eu houvera dado da minha casa. Abri o envelope e comecei a ler o documento. Estava escrito que minha aura era azul anil na primeira camada e possuía uma segunda que era composta de uma facha superior dourada e inferior (do coração para baixo) rosa. Isso formava um contorno lilás (e lilás-dourado na parte superior) que predominava quando eu estava lidando diretamente com sentimentos afetivos. Ainda havia muito para ler, mas exatamente nesse ponto do sonho eu acordei. Teve uma parte do sonho que eu tinha consciência de que estava apenas sonhando, pois pensei comigo mesma que precisava prestar atenção em tudo para anotar quando acordasse. Após acordei achei isso o máximo! Entretanto, não sei dizer se minhas lembranças foram mais nítidas”.
Disse a "Ágape" que sonhos são assim, enigmas para serem decifrados, não por que venham como charadas, mas por que comunicam mensagens do nosso interior, para nós, em uma língua que precisamos aprender a traduzir, se quisermos conhecer o significado e ficar ligados no principio da existência, na essência da nossa relação com o mundo. Quando aprendemos, o saber sempre tem um sentido, pessoal e coletivo, quando consideramos o espírito do tempo, que tem a idade da eternidade.
"Ágape" insistiu que eu lhe falasse algo mais significativo sobre seus sonhos. Disse-lhe que nem sempre as figuras com as quais sonhamos tem a ver com a realidade, mas com a representação (o que a pessoa significa) e seu sentido simbólico. Outras vezes dizem respeito ao significado do conceito para nós e a representação de conteúdos psíquicos que possuímos. Atribuindo isso ao sonho é como dizer que "Graúda" nem sempre é sentida como a mãe verdadeira de "Ágape", pode ser uma mãe incorporada ou uma referencia à relação materna que possui. Neste caso ela briga com a mãe que lhe causa mal estar e opressão. Possivelmente o sonho representa um alerta para a dificuldade de "Ágape" se expressar com "Graúda" perante algum conflito do qual considerá-a responsável pelo seu estado e, assim, se sente vítima e fica travada, não conseguindo se manifestar. Na ausência dessa dificuldade, então o seu desafio é o de conviver com uma mãe interna que criou para se proteger ou para compensar a ausência ou negação de sua mãe real. Neste caso essa mãe interna se transformou num conteúdo que a oprime, trava, bloqueia e reprime. Naturalmente este conteúdo precisa sobreviver, então ele a esgota e a rouba energia. Ela alimenta-o e se desfalece. Disse a "Ágape" claramente que ela precisa investigar para saber o que vem ganhando com isso. Possivelmente "Ágape" se alimenta de auto piedade perante a vida, fazendo papel de vitima do mundo.
No momento seguinte ela caminha por lugares que precisa buscar saída certa a fim de não se perder, uma espécie de labirinto urbano. Ela tem um rumo, tem noção espacial, sabe para onde quer ir, procura uma saída, mas há sinais de formação de angustia, níveis de tensão elevado e ameaça. É o ponto representativo de sua catarse. Na seqüência lhe é dada uma saída, um lugar de lazer e prazer (shopping, piscina, universidade, casa de encontros). Isso indica que é tempo de refazer conceitos construídos no passado para lhe proteger. A outra mulher é um lado feminino que a acolhe e a guia mesmo que de origem familiar (conteúdos genéticos). Na rampa, a descida regride para o conforto do útero, a subida para o encontro do conforto alimentar. A vida sempre nos exige escolhas: Voltar, seguir, regredir, ascender. O sonho a mostra no meio do caminho com dificuldade de escolher para onde seguir e o que fazer. A mudez claramente representa a necessidade de soltar a fala, comunicar-se, manifestar-se, dar ciência do que lhe agrada e desagrada. É urgente a mensagem de seu inconsciente dizendo: “Vença este bloqueio, vença o ressentimento e a mágoa. Expresse o prazer, as dificuldades, as dores. Se liberte. Não permita opressão dos outros e nem de você mesma. Supere vergonhas, a timidez, supere suas limitações, fortaleça sua auto-estima”. Em complemento só me cabia uma ultima frase a ficar de reflexão: não temos tempo a perder encolhendo-nos diante das barreiras e bloqueios que nós mesmos nos impomos.
Passei para o sonho seguinte: As pedras são um símbolo de uma transmutação do opaco ao translúcido e, em um sentido espiritual, das trevas à luz, da imperfeição à perfeição. A pedra, que é o elixir de vida, é o símbolo da regeneração da alma pela graça divina. A passagem da pedra bruta à pedra talhada por Deus, e não pelo homem, é a passagem da alma obscura à alma iluminada pelo conhecimento. Existe entre a pedra e a alma uma relação estreita. Para os maçons o trabalho de aprimoramento do espírito é correlato ao trabalho de lapidar à alma como se lapida uma pedra. Em relação ao sonho o surgimento da imagem da pedra possivelmente está relacionado ao confronto que a antecede. Qualquer processo de aprimoramento do self (interior espiritual) passa pela formação dos princípios. O primeiro deles é fundamental em qualquer jornada da alma que se queira realizar: A VERDADE. Neste aspecto o inconsciente sempre confronta a pessoa nas questões fundamentais de princípio, o que somos e o que pensamos que somos. Quanto mais aproximamos o que idealizamos daquilo que somos, mais nos aproximamos da integração dos opostos em nós, mais trabalhamos na unificação, na integração do lado sombrio ao lado iluminado. E quanto mais criamos um abismo entre o que idealizamos e o que somos, mais sombrio transformamos o lado de luz que carregamos. O confronto no sonho aparece na questão moral. "Ágape" gosta da pedra e a coloca no bolso. Apropria-se de um objeto que não a pertence. No movimento seguinte percebe o lapso e recua incorporando o principio da honestidade. A pedra negra fica translúcida. Esta será a tendência da atitude real, agir dentro de princípios morais éticos. Quando agimos assim dentro do sonho é porque estamos incorporando a referência ética.
Já nas relações afetivas há evidências de jogo, inseguranças e baixa estima. O que "Ágape" apresenta sentir em relação a si mesma no contexto onírico é projetado para o outro. O medo de ser desinteressante a leva a emitir sinais de que o outro não lhe é interessante. O sonho deixa visível o conselho para "Ágape" abrir as asas e arriscar mais se expressar, experimentar expor seus sentimentos e emoções em forma de interesse. As cores (azul, dourado, rosa e lilás) são de grande importância e, possivelmente, é um chamado de atenção do inconsciente para "Ágape" elevar seu estado vibracional.

domingo, 30 de agosto de 2009

Se a vida quiser, ela que me leve...


"Vou deixar a vida me levar
Pra onde ela quiser
Seguir a direção
De uma estrela qualquer...
*
Não quero hora para voltar
Nem rota para seguir
Não quero nem pensar
Do que será no porvir...
*
Planejamento e liderança não tenho não
Pois conheço bem a solidão
O medo e a tristeza
De quem não vive com leveza...
*
Se não tenho rumo a escalar
Se não tenho braço para me acolher
Deixo a sorte me buscar
E por ela fazer viver!"