Durante a noite "Ágape" acordou varias vezes e antes de olvidar anotou informações dos seus sonhos. Eis o que ela narrou-me depois: “Primeiro sonho: Eu estava numa cachoeira turística e religiosa, como se fosse a cachoeira de Oxum. Abaixo de sua ultima queda formava uma espécie de piscina natural entre grandes pedras. Eu vi a cachoeira de longe e depois já estava dentro da água dessa piscina. No topo da cachoeira havia uma lanchonete e algumas jovens dançando ajoelhadas. Na lateral estavam vendendo rosas vermelhas e amarelas. Eu houvera comprado duas amarelas, mas como estava dentro da água e não tinha onde colocá-las, não tardou e vi-as se despetalar. Por estranho que pareça eu havia comprado as rosas para meu falecido pai. Fui embora do local numa espécie de trem-bala só com os talos das rosas e tinha intenção de plantá-los no quintal de casa. Na hora lembrei de um monte de mudas de roseiras, como se estas fossem minhas. Em seqüência eu me vi andando ligeiramente pelas ruas. Em verdade eu não andava, mas voava verticalmente, ou seja, em pé. Às vezes eu passava pelo interior das casas e ninguém me via. Não havia necessidade de abrir as portas e portões, pois tudo se abria automaticamente. Eu ia tranqüila quando passei por três rapazes que me viram e um deles resolveu me pegar. Daí eu subi para cima e comecei a voar horizontalmente, ou seja, deitada como se estivesse nadando no ar. Ele continuou me seguindo mas não conseguia voar como eu. Ele subiu no muro, passou para o telhado e começou a pular de casa em casa. Num determinado momento da fuga duas situações aconteceram simultaneamente: ele caiu e eu avistei um ninho de passarinho na parte interna de um telhado, o qual me fez ficar deslumbrada. Daí eu resolvi parar e chamei-o para ver o ninho donde o filhote era alimentado. Foi como se o ninho houvesse retirado de mim todo o medo e automaticamente houvesse transferido para o rapaz que me perseguia. Ele ficou desconfiado da minha atitude e só depois que o chamei pela terceira vez é que ele veio ao meu encontro para contemplar o ninho. Parece que a perseguição terminou em amizade. Achei esse desfecho positivo, mas obviamente muito estranho.
Segundo sonho: entrei num local religioso que parecia uma igreja crente e num dos cômodos do fundo havia três colchões no chão donde repousavam uma mulher com um filho de aproximadamente oito anos e um bebê. Eles haviam ganhado abrigo no local e fiquei muito emocionada com aquela situação. Em seguida já me vi jovem numa sala de aula e o professor elogiou meu caderno ao passar por mim. No momento do recreio sai de mãos dadas com uma amiga, logicamente só conhecida dentro do sonho, a qual era vegetariana como eu e quis comprar uma fatia de pão de linhaça para experimentar. Era um balcão enorme cheio de variedades alimentícias e nunca éramos atendidas, pois a fila para quem queria pastel sempre ficava enorme e estes, não sei porquê, eram atendidos primeiro.
Terceiro sonho: este foi pouco antes de levantar. Eu estava com um grupo religioso e cantávamos uma musica suave e alegre. Atravessamos uma ponte muito comprida toda de madeira. Passamos por ela com velocidade voando na vertical, era como se estivéssemos deslizando levitados. O rio ficava a uma profundidade bem grande abaixo da ponte, a qual estava no nível do solo. Olhar para o rio era como olhar para um abismo e passei olhando apenas para frente. Depois de atravessá-la continuamos o trajeto andando calmamente. Verifiquei que estava descalça e com um vestido longo branco. Havia muita paz e harmonia em tudo. Em seguida acordei”.
Inicialmente fiz "Ágape" refletir o fato de estar chovendo forte durante o momento dos sonhos. Acontecimentos simultâneos na realidade podem ser utilizados para induzir a formação de uma imagem ou para evocá-las, independente da simbologia, mesmo que a imagem evocada seja para criar um elo com a gênese da pessoa. Neste caso a imagem formada foi à cachoeira religiosa e Oxum. Na Mitologia Yorubá Oxum é um orixá feminino. O seu nome deriva do rio Osun localizado na Nigéria. É o Orixá das águas doces (rios e cachoeiras) do amor e da prosperidade. Em Oxum os seguidores buscam auxílio nos problemas do amor e na vida financeira. Símbolo da sensibilidade muitas vezes derrama água (choro) quando desce em alguém, característica de seus filhos identificados por chorões. Isso indica que o inconsciente pode estar tentando lembrar "Ágape" de suas origens, ou sinalizando-lhe a importância dela. Disse-lhe que pode estar significando um cuidado para com a negação de suas fortes origens e para a necessidade de sincronizá-las no seu processo de desenvolvimento. É um indicativo de sua natureza de água e de elemento natural, pois entra nele para se banhar. Jovens dançando ajoelhadas podem indicar essa gênese de idade espiritual mais velha: mulheres mais velhas habitam águas profundas, como jovens habitam rasas. As rosas vermelhas e amarelas representam a manifestação das águas primordiais, simboliza a taça da vida, a alma, o coração e o amor. Podem ser consideradas como um centro místico, e contempladas como uma mandala. Símbolo do primeiro grau de regeneração e de iniciação aos mistérios. A rosa vermelha simboliza o objetivo da Grande Obra (na alquimia). Neste aspecto é possível que a rosa amarela seja referência ao self e me chamou a atenção à relação com a oferenda ao pai falecido. Naturalmente a oferenda ao pai é pela regeneração dele em outra dimensão, mas pode estar sinalizando a relação de "Ágape" com o masculino e a necessidade de restaurar esse elemento como princípio de realidade e de união dentro de si, ou seja, a regeneração de seu lado masculino. Como símbolos de metamorfose da libido, ela planta roseiras para colher rosas, ou seja, planta atitudes para colher resultados: amor, prosperidade, religiosidade, etc. Fica nítido que é necessário plantar.
A perseguição masculina retorna ao tema medo e ameaça. O vôo aparece como possibilidade de fuga da ameaça masculina, ou seja, um desejo sublimado de ascensão frente ao fracasso da realidade em que vive. Muitas vezes o vôo pode significar mudar de andar, subir (novamente a necessidade de subir, avançar na ética, na moral, nos pensamentos superiores). Diante disso deixei algumas perguntas para "Ágape" refletir: Como ela consegue se proteger da ameaça masculina na realidade? Fantasiando? Se iludindo? Seduzindo? Transformando as relações em amizades? Ou esta é a intenção que não consegue realizar? Atrair o homem para relações mais próximas e menos ameaçadoras? Como ela vem estabelecendo relacionamentos com o masculino? Ninho evoca acasalamento, formação de família, filhos, aconchego, lar e proteção. Existe movimento de acasalamento? Ou medo de acasalamento? O sonho demonstra a intenção de atrair o ser masculino para amansá-lo com a visão de um “ninho” e, ao mesmo tempo, retirar de si o próprio medo com a certeza de algo estruturado e seguro como um “ninho”.
Uma igreja é sempre a casa de Deus, um local sagrado, não apenas para orações, meditações, reflexões e ablações. Um lugar onde manifestamos nossa condição de humildade, onde damos repouso ao espírito, o local que acolhe os menos favorecidos, privilegiados e onde somos todos iguais frente ao supremo criador. Visualizo em "Ágape" uma susceptibilidade emocional inconsciente à condição precária de maternidade, e essa fragilidade está relacionada ao medo de sofrer num cenário semelhante ao sonhado. Fica nítido à identificação de "Ágape" com a condição pessoal da mulher do sonho, bem como a sua natureza de auto comiseração. Aqui coube a dica da necessidade de fortalecer a auto-estima e trabalhar a aceitação das realidades desfavoráveis. Por outro lado, se a realidade no momento passa por tensões desfavoráveis, o inconsciente força a visualização de tais imagens no individuo susceptível psiquicamente para que, através de um momento emocionalmente catártico, possa atualizar os níveis intra-psiquicos de tensão, protegendo o organismo de um colapso. Mostrei a "Ágape" que a seqüência onírica de estar numa sala de aula já é de uma realidade de conforto na cobrança (autoridade X aluno) e de alívio da tensão egóica (elogio), bem como carícia no ego e busca de conforto (recreio, repouso, descanso, alimento). Na seqüência ela é confrontada na sua intenção de ser privilegiada pela prioridade na fila, mesmo que possa se considerar melhor sendo vegetariana e não carnívora. "Ágape" tinha de entender através de seus próprios sonhos que não é melhor do que o outro por não comer cadáveres de animais, pois essa realidade é apenas a sua escolha, a qual lhe faz diferente do outro, mas nem por isso melhor. A prioridade é o coletivo. Neste aspecto o inconsciente nos lembra que, se somos todos iguais, nossas diferenças são resultados de nossas escolhas, e elas são boas apenas para nós que as escolhemos. No caso, ainda que a escolha de ser vegetariana seja uma escolha mais saudável e mais inteligente do que a escolha de ser carnívora, ela não pode ser a justificativa para o fortalecimento da vaidade, do egoísmo ou do privilegio. É necessário ter compaixão pelo outro, pelas escolhas infelizes que os outros fazem. Mas o momento é de atenção. Seu nível de tensão e de exigência pode continuar alto. Disse-lhe que é necessário desenvolver novas respostas e atitudes. Mais adiante à alegria e o prazer encontrado na religiosidade sinalizam a possibilidade da prática religiosa favorecer o conforto. "Ágape" confirmou isso como algo real e não apenas uma possibilidade. A ponte longa sinaliza a grande distância entre as margens. Margens distanciadas representam estados distantes, como por exemplo à distância entre o que "Ágape" é e o que pensa que é; entre o que sente e gostaria de sentir, etc. Isto produz dissociação. Disse-lhe para praticar mais o que idealiza, aquietar sua mente e seus pensamentos para redirecionar sua vida. Por hora lhe cabia reflexão e paciência.
Atualização
Há 4 anos
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