Obrigada pela visita!

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domingo, 30 de novembro de 2008

carta 19 - continuação da 18

O segundo livro chama-se A mentira nos normais, nos criminosos e nos loucos [i]. Relata o livro que, em muito animais superiores, a simulação parece ter perdido todo o seu caráter instintivo e, pelo modo como é praticada, reveste todas as características de um ato plenamente consciente e voluntário, que implica, por conseguinte, o conhecimento dos perigos ao encontro dos quais o animal se dirige e o estudo feito para os evitar. Um dos exemplos citados pelo livro baseia-se inclusive no provérbio ‘cão que ladra não morde’. Diz ser uma solene afirmação da conduta simuladora deste animal que, na maioria das vezes, ruge e ladra para demonstrar um estado de espírito fictício, uma cólera que verdadeiramente não sente, e isso com o único fim de conservar afastadas as pessoas que tentam aproximar-se da casa do dono. Quando o cão anseia, verdadeiramente, atirar-se a quem passa, recorre à astúcia, torna-se simulador e dissimula, com o silencio, a sua intenção, pois que a experiência lhe ensinou que uma conduta tão evidente só serviria para favorecer a fuga do inimigo. Não pensei que um cão fosse inteligente a ponto de perceber isso sobre suas ‘presas’. Partindo deste principio, o livro diz que na evolução da mentalidade humana, a mentira deve ser considerada como um fenômeno de atavismo e a sua origem deve ir procurar-se na luta pela existência. Efetivamente, o homem, ao aparecer sobre a terra, não podia, débil e inerme como era, renunciar ao meio de defesa, com o qual conseguira triunfar na luta da simulação. Quando, por meio da palavra, chegou a poder exprimir o seu pensamento, começou a praticar o engano, servindo-se de símbolos verbais, e criou a mentira, fenômeno exclusivamente humano, é verdade, mas no qual se vêem pulular tendências e atitudes – ficções, astúcias, fraudes, - que permitiram aos nossos mais remotos avós, o triunfo pela vida. Naquele período ainda infantil da humanidade, cheio de crenças supersticiosas e de mitos complicados e absurdos, o móbil da mentira corresponde a outros sentimentos, além do medo. A vaidade e o orgulho figuram entre os primeiros. O desejo de firmar, com fins mais ou menos espirituais, o prestigio de uma divindade, a fama de um templo, o valor de uma relíquia, fez, nas antigas religiões orientais e pagãs, germinar a mentira de uma maneira fantástica. Meio fácil e ao alcance de todas as inteligências, a mentira tornou-se a arma mais comum para sustentar a concorrência no campo da industria, da arte, da política, das profissões liberais, etc.
Quando há uma utilidade a conquistar ou um aborrecimento a evitar; quando é preciso justificar uma culpa ou afastar uma suspeita; quando se pretende realizar um desejo ou satisfazer um capricho, e, em qualquer destes casos, se compreende que a verdade se oporia à obtenção do fim desejado, recorre-se, espontaneamente, quase por instinto, à mentira. Mentimos até a nós próprios quando, levados por um interesse material, em oposição aos sãos princípios da moral, procuramos legitimar, no nosso intimo, a custa de transigências, a nossa ação, descendo a humilhantes transações com a nossa consciência. A civilização ainda não exerceu qualquer ação retardadora eficaz sobre a mentira; pelo contrário, à medida que luta pela vida se torna mais intensa e febril, a sociedade torna-se mais falsa e mentirosa, de maneira que, hoje, não se encontra nela qualquer forma de atividade que não esteja inquinada de mentira. É que, de fato, há verdades que produzem o efeito de uma pedrada na cabeça; que envenenam a vida, que destroem o desejo de viver. A mentira, em certas situações, é um dever imposto pelo sentimento. Daí, o abuso da verdade é mais prejudicial que o uso da mentira. Por conseguinte, considerar a mentira um ato reprovável, somente por ela não corresponder à realidade dos fatos da vida, é simplesmente um absurdo. Baseado em tais convicções, o livro define que a mentira só é um vicio quando faz mal; é uma grande virtude quando faz o bem. Mas eu ainda acrescento a pergunta, será que uma mentira pode, em alguns casos, ser capaz mesmo de fazer o bem? Concordo que o valor moral de um ato ou de uma palavra não está no seu conteúdo de verdade ou de mentira, mas consiste na intenção com que esse ato ou essa palavra foi pensado; no modo como foi dita ou realizado; nas conseqüências que determinaram.
O fato da mentira se apresentar como um hábito mental comum a todos os povos selvagens, e de a encontrarmos, quase sem exceção, em todas as crianças, serve para demonstrar que ela nasce com o homem. Muitas vezes a criança mente por vaidade, por malicia, brincadeira, imitação, cupidez, preguiça, amor próprio ou por ciúme. Freqüentemente, a mentira tem, nela, um espaço defensivo. As crianças têm um poder fantástico muito mais desenvolvido que o dos adultos e sabem, melhor do que estes, combinar, associar no seu espírito os fatos mais inverossímeis, porque, nelas, ainda não se formou os poderes inibitórios, paralelos ao poder de discernimento, que permite determinar a credibilidade que, com freqüência, as vemos mentir, mesmo quando os fatos são evidentes. Uma educação conveniente e o exemplo contribuirão igualmente para reduzir a tendência para a mentira. E visto que, tratada com doçura, simpatia, amigavelmente, a criança não terá razoes para mentir, dirá as coisas como as sente. Pelo contrário, tratada com rigor, aterrorizada pela nossa severidade, facilmente recorrerá à simulação e à mentira. Verifica-se que, ao mesmo tempo em que se educa a criança na idéia de reprovar a mentira, ensina-se também que nem sempre convém dizer a verdade. Alguns pais mentem para as crianças, outros dizem que elas nem sempre devem ser verdadeiras para com as pessoas estranhas e muitos as pedem para mentir ou não dizer isso ou aquilo se alguém comentar ou perguntar. O resultado é que a recomendação de calar certas verdades, segundo as circunstancias, determina na alma infantil a convicção de que a verdade e a mentira dependem da ocasião, e que toda a inteligência e a sagacidade da criança consistem, para muita gente, em saber dizer oportunamente uma em lugar da outra. E, dessa forma, geralmente a criança principia a compreender que a verdade é coisa para usar em família, ao passo que a mentira é uma armadura para ser usada nas varias contingências da vida extra-familiar.
Em todas as mentiras, seja voluntária, ocasional, heróica, por conveniência, de amor, santa, maligna ou jocosa, esconde-se sempre um sintoma de fraqueza e, quase constantemente, um fim egoísta. A vida em sociedade ainda hoje exige uma certa dose de dissimulação e de mentira. A delicadeza, a modéstia, a moral, a obrigação de não ofender ou ferir os sentimentos alheios, a necessidade de não estragar as boas relações com as pessoas que estão perto de nós e de quem, no momento oportuno, poderemos vir também a precisar, com freqüência nos fazem calar a verdade, nos induzem a esconder as nossas impressões e os nossos pensamentos. É por isso que, quando não se tem a coragem de dizer a verdade e se teme que um comportamento demasiadamente sincero possa prejudicar e, por outro lado, não se quer muito manifestamente mentir, se recorre àquelas formas de mentira que são a reticência, o eufemismo, a reserva mental e o sofisma. De tal modo, as relações existentes entre a nossa maneira de ser (ou proceder) exterior e a nossa maneira de ser (ou sentir) interior são resumidas em duas expressões muito simples e comuns: simulação e dissimulação. O mentiroso é, portanto, com muita freqüência, obrigado a simular e a dissimular. Esta condição é tão essencial que, faltando ela, o resultado prático da mentira não deve poder ser obtido. A arte dramática consiste na simulação. O artista, no momento em que se apresenta em cena, abstrai completamente do seu Eu, para viver intensamente o personagem que deve representar, para se fundir nele, e todo o seu estudo se dirige para a imitação do gesto, do comportamento, da linguagem, da voz. Um artista é, assim, um perfeito simulador. Não obstante costuma-se ouvir que um bom simulador sabe trocar de máscara sem dificuldade alguma. A arte figurativa e simbólica talvez não dispusesse de outro meio para exprimir a psicologia do mentiroso; e no entanto, o conceito da máscara, que esconde o pensamento e que, com uma nova aparência do rosto, apóia e dá forca à palavra mentirosa, reproduz com verdade o intimo nexo que liga a mentira à simulação. Para melhor simular os diversos sentimentos, os atores da antiga tragédia e comédia gregas usavam, como parte essencial da sua indumentária, deliberadamente artificiosa, a máscara, a qual ainda hoje é usada pela arte decorativa como símbolo de arte dramática.
Não há fato da vida física, nem manifestação da vida espiritual, que não se preste à simulação. Todos os sentimentos: amor, pudor, ódio, ira, vingança, orgulho, amor próprio, amor à pátria, ideal religiosos, sentimento da arte, etc, podem ser simulados. O simulador é, geralmente, um fraco que, em todos os atos da sua vida, se vê forcado a esconder o seu Eu, num continuo fingimento, para evitar aborrecimentos, ou porque, sendo pusilânime por natureza, não sente coragem para afrontar as dificuldades da vida. Assim era eu. Atualmente vejo o simulador é um medroso. Para mim, o homem corajoso afronta quaisquer situações e, na sua franqueza, na sua lealdade, mostra-se tal como é verdadeiramente, com todos os seus méritos, com todos os seus defeitos, fugindo da mentira e de qualquer forma de fingimento, porque sabe que esses expedientes diminuirão a sua dignidade e o seu prestigio. O simulador não se comporta dessa maneira; ser débil e incapaz de sustentar a menor luta, precisa esconder continuamente o seu pensamento e o seu procedimento; de modificá-lo, sem atritos nem abalos, e de o adaptar ao ambiente. Enquanto a simulação é um elemento integrador e muitas vezes indispensável da mentira, esta atinge os limites do patológico quando o próprio mentiroso acredita em grande parte das suas mentiras. A mentira patológica é, em substancia, o sucumbir da consciência da realidade em face do desejo fantástico mórbido. Será capaz, durante algum tempo, de voltar, de vez em quando, sobre si mesmo, de distinguir o que a sua imaginação tenha produzido para enganar os outros, isto é, de reconhecer as suas mentiras; mas depois acabará por se esquecer completamente de ter sido ele o seu criador e, em certa altura, já não conseguirá distinguir a realidade objetiva daquilo que é produto da imaginação criadora. Se a mentira normal geralmente é passiva e consiste na reação de uma pergunta ou na negação de algo que se considera nocivo, a mentira patológica é ativa e diferencia-se ao acrescentar fatos inventados, situações criadas espontaneamente, combinações de intrigas, etc.
Em seqüência o livro cita alguns tipos de mentirosos patológicos. Primeiramente fala dos gabarolas. Estes são indivíduos que, mesmo nas circunstancias menos oportunas, procuram exaltar a sua pessoa a ponto de caírem no ridículo. O principal escopo desses indivíduos é infundir, com as suas gabarolices, no espírito de quem os ouve, um elevado conceito de si e das suas aptidões, ainda que, para isso, tenham de dizer um sem numero de mentiras. É bom verificar que, em qualquer campo da atividade, em qualquer grau social, sexo, idade ou estado de saúde a que fomos buscar, para examinar a mentira na figura do gabarola, verificaremos sempre que ele procura exaltar o seu Eu, ou com um escopo moral (o prestigio da pessoa), ou com um escopo profissional (lucro), ou com um fim criminoso (fraude). Outro tipo de mentirosos são os mitômanos. São indivíduos constitucionalmente inclinados a organizar, por meio das suas palavras, dos seus escritos ou dos seus atos, ficções mais ou menos freqüentes ou prolongadas, enganando, dessa maneira, os que os rodeiam, sob a influencia de móbiles também patológicos, e a traduzir, finalmente, por essa aptidão eletiva para a mentira, para a simulação e para a invenção romanesca, uma tendência de ação e uma forma de espírito conhecidas pelas designações de mitomania ou mitopatia. Assim, com base nos diversos móbiles que a determinam, teremos, também, três variedades distintas de mitomania: a vaidosa, a de fim lucrativo e a de escopo criminal. Entre os mentirosos patológicos, o mitômano é o que cria as mentiras menos absurdas, mais bem organizadas, mais resistentes à critica e, por isso, mais facilmente acreditáveis. Em terceiro lugar o livro relata sobre os confabuladores. Quando os doentes, para integrar as lacunas da memória, recorrem aos produtos da fantasia, narrando e descrevendo, por vezes com grande segurança e precisão, fatos e acontecimentos não verdadeiros, temos o fenômeno da confabulação. A sua mentira tem o caráter de fabulação do momento; tudo o que estima a sua imaginação é, por ele, adquirido como um papel que, rapidamente, passa a representar; mais do que a continuidade, nota-se nele a variabilidade do fenômeno. Não raro a mentira é automática, com freqüência fragmentaria, quase sempre sem um nexo lógico, sem conclusão, sujeita a variações continuas e a contradições. Estes indivíduos são incapazes de fazer uma idéia clara da sua posição e das relações entre os acontecimentos. Parecem, com freqüência, desorientados quanto ao tempo, quanto ao lugar e até quanto a si mesmos. Por fim o livro fala sobre os delirantes mentirosos, para os quais a mentira é sempre um meio que se manifesta somente para atingir um fim mórbido; aparece quando se estabelece esse fim e dura enquanto durar esse mesmo fim. O manicômio é a força das falsidades, é o mundo dos erros. Tudo ali é falso: a dor, a alegria, a ira, o afeto, o amor, o ódio. Mas tudo é mentira? Se por mentira se entende a narração de uma coisa falsa, com a consciência clara e plena, por parte do narrador, da falsidade do que diz, então só uma pequena parte são mentiras. Todos as dizem. Os doidos furiosos, os loucos morais, os epiléticos, os imbecis, os histéricos, os senis, os paralíticos, os delirantes, etc., caindo num estado de delírio, alguns doentes sentem a necessidade de recorrer à mentira, em apoio dos fins que resultam das idéias delirantes; outros se servem da mentira para reagir contra as pessoas que se opõem à realização da idéia delirante. O resto do livro fala sobre a mentira ligada ao falso testemunho e a calunia, assunto de mais valor para a perícia psiquiátrica e juizes de tribunais. Bem, do livro é isso e por hoje fico por aqui. Um grande abraço e boas reflexões!”
[i] BATTISTELLI, Luigi. A mentira nos normais, nos criminosos e nos loucos. Trad.: Fernando de Miranda. São Paulo: Saraiva, 1945.

carta 19

“Olá ‘Ami’! Meus dias andam numa mesmice sem tamanho! Ontem e hoje eu passei o dia com minha avó e aproveitei o prazer pela leitura para empurrar meu tempo, mas confesso que ficar na minha avó não é tão agradável: lá tem pernilongo, nada para comer, água só da torneira e ainda por cima tive de passar frio, pois o tempo quente tanto ontem quanto hoje mudaram repentinamente para chuva, algo não muito bom quando estamos fora de casa. Eu fiz isso por ficar com compaixão dela ao repetir incansavelmente que ‘empurrar a solidão’ é dureza. Tem dias que minha avó fica inclusive cômica ao dizer que não agüenta mais espremer-se para agüentar a solidão e o fato de não conseguir ter forças físicas para fazer mais nada.
Como acordei um pouco tarde hoje e minha avó almoça muito cedo, resolvi ir pouco depois de tomar meu café da manhã. Eu havia feito a idéia de ficar lá até por volta das duas horas e depois vir para casa almoçar. Exatamente próximo de tal horário começou a cair uns pingos grossos de chuva e o vento ameaçou bastante a cair um temporal, mas por fim acabou ficando aquele tempo encoberto, frio e só com alguns respingos de vez em quando. Quando resolvi enfrentar a chuva que não caia nunca, eis que chegou uma prima de minha avó, a qual apelidarei de ‘D. Florisda’. Sendo pega de surpresa com tal visita, acabei esperando mais um pouco enquanto escutava a prosa das duas. Meia inquieta fui ficando e resolvi entreter-me outra vez na leitura. Quando a ‘D. Florisda’ resolveu ir embora eu fiz venha de fazer o mesmo, mas daí ela simplesmente virou para mim e, como se eu tivesse por obrigação de não deixar minha avó sozinha, falou para eu ficar até a minha tia “Florymel’ chegar. De tal modo eu tive que esperar a visitante sair e por sorte minha mãe já havia ligado exatamente para mandar-me vir embora. Minha mãe ficara o dia todo sozinha em casa, algo que ela desaprova, e estava preocupada, pois já eram cinco horas da tarde e eu nada comera depois do desjejum. Novamente a sós com vovó eu pude finalmente repetir o aviso de ‘já vou’ e finalmente sair.
Ao chegar em casa pude almoçar e logo em seguida minha avó ligou perguntando se minha mãe já havia temperado a carne dela. Não obstante tive que retornar a casa de minha avó para levar a encomenda da carne. Ninguém me pediu isso, mas eu quis fazer para sentir-me uma neta dedicada. Não fiz isso para receber apreço de vovó, até porque ela nunca teve nenhuma consideração por mim. Por outro lado, sinto que estou apenas cumprindo minha obrigação com um senso de amor, o qual é mais válido para minha consciência do que para o agrado emocional dela. Aprofundando o assunto nesse sentido, posso dizer que estou aprendendo ‘na pele’ a não me decepcionar com os pensamentos e atitudes alheias. Minha avó tem oito netos contando comigo (dois homens e seis mulheres), mas ela só demonstra afeto por três: minha irmã e as duas filhas da minha tia ‘Pituca’. Isso sempre ficou visível para a família toda uma vez que ela sempre presenteou e elogiou apenas estas, tratando o resto com descaso e críticas. A questão dessa diferença está muito ligada ao fato de julgar tais netas como ‘coitadinhas’. Ela sempre teve dó da minha irmã pelo fato de seu pai ter morrido na ocasião posterior ao seu nascimento. Quando as outras duas, ela sempre teve a idéia de que minha tia era desleixada para com as meninas, principalmente no quesito da alimentação. Agora, com a ida de minha tia ‘Pituca’ para os Eua, a situação se agravou. Para minha irmã a vovó já deu coberta de retalho, forros fiados à mão, peças antigas de cozinha como licoreira, conjuntos de sobremesa, etc. Para as minhas primas, minha avó já deu jóias e desde pequena acostumou a dar-lhes mesada. Acredita que ela faz isso na minha frente sem nenhum problema? Hoje mesmo ela perguntou para a mais nova (de quinze anos) se elas já haviam gastado todo o dinheiro dado anteriormente e como ela afirmou que sim, minha avó chamou a outra mais velha (de dezessete anos) e deu-lhe não sei quanto. Se minha avó faz isso com natural traquinagem, como se fosse uma artimanha para me rebaixar, eu fiquei sem graça por estar ali na condição de neta também e fiquei olhando para o outro lado como se pudesse fazer de conta que não estava percebendo o fato. No fundo eu realmente me senti rebaixada como se fosse um nada.
Em verdade eu prefiro crer que ela faz isso porque tem preferência e dó de tais netas e não para implicar ou de fato rebaixar todos os demais. Está no direito dela de agir de tal modo e para mim cabe a difícil desenvoltura de não ficar magoada, triste ou irritada. O que fazer quando amamos uma pessoa e recebemos dela puro descaso? Estou praticando o aprendizado de que não devemos esperar nada, absolutamente nada, de ninguém além de nós mesmos. Eu só posso esperar pela minha própria capacidade de amar. A minha expectativa tem de estar no amor que concedo, e não na vontade ou necessidade do amor a ser recebido. Não devo jamais esperar receber amor, consideração e afeição de ninguém. Esperar do meio externo é muito frustrante e a vida tem me feito crer que também é um grande erro. Se aparentemente minha avó comete a injustiça de selecionar e dividir seu amor dessa forma, o problema é dela e não devo me automagoar por isso. Quero estar imune do seu descaso para comigo, mesmo que tenha sido eu a neta mais presente em sua vida, principalmente nos últimos tempos. Não me julgo melhor e nem pior do que todos os demais e, exatamente por isso, não me interessa saber ou importar com o lugar em que estou na ordem de classificação que ela faz dos netos. A diferença de tratamento sempre ficou muito nítida, mas acho isso bom, pois estou tendo a oportunidade de praticar a paciência, a tolerância, o perdão e principalmente a tentativa de proteger minhas emoções controlando os meus pensando. Realmente é difícil manipular os pensamentos a ponto de não fazê-los agredir os sentimentos. É complicado fazer-me pensar e sentir que o menosprezo de minha avó não me diminui enquanto neta, mas essa é minha armadura contra qualquer sentimento negativo que venha me rondar após o episodio de hoje. Muito já sofri por isso, mas agora chega, pois não sou a mesma ignorante sentimental de antes. Não me importa mais o que ela (ou qualquer pessoa) sente por mim, mas sim a minha capacidade de amá-la incondicionalmente e superar o seu desprezo exatamente com o meu próprio amor. Vou lutar por isso, pois sinto que minha felicidade está em jogo.
De resto, posso dizer que minhas leituras renderam bastante e acabei de ler outros dois livros. Como de costume vou compartilhar contigo os trechos que mais me tocaram. O primeiro livro chama-se O Mestre da sensibilidade[i]. Verificando Jesus em termos psicológicos, o autor diz que uma das características fundamentais de Cristo era transformar os seus seguidores em pessoas ativas, dinâmicas e que soubessem expressar seus sentimentos e pensamentos. Ele não queria um grupo de pessoas passivas, tímidas e que anulassem as suas personalidades. A cada momento Ele instigava a inteligência de quem o acompanhava e procurava libertar as pessoas do seu cárcere intelectual. Essa parte parece ter sido escrita diretamente para mim que não tive minha inteligência instigada nesse sentido de libertar-me para o mundo e a vida. Fico imaginando a grandeza intelecto-espiritual de Jesus ao construir uma trajetória emocional inversa em sua existência. Ele poderia ter sido um homem angustiado e ansioso, mas, ao invés disso, era tranqüilo e sereno. Sua emoção era tão rica que ele chegou ao impensável tendo a coragem de dizer que ele mesmo era uma fonte de prazer, de água viva para matar a sede da alma (João 7:37-38). Isso explica seu comportamento quase incompreensível de cantar e se alegrar com seus amigos na ultima ceia, cerca de catorze a dezoito horas antes de morrer.
Outra parte intrigante foi quando Cristo revelou que antes que houvesse o mundo, o cosmos, ele estava lá, junto ao Pai na eternidade passada (João 17:5). Há bilhões de galáxias no universo, mas antes que houvesse o primeiro átomo e a primeira onda eletromagnética, ele estava lá. Por isso, João disse que nada tinha sido feito sem ele. Aqui, novamente ele afirmou sua natureza divina, postulando eu, como Deus filho, sua vida extrapolava os limites do tempo. Expressou que sua historia ultrapassava os parâmetros do espaço e do tempo contidos na teoria de Einstein. Por intermédio de suas palavras surpreendentes, ele se colocou até mesmo acima do pensamento filosófico que busca principio existencial. Imagino o quanto isso chocou as pessoas daquela época. Atualmente isso para mim não ocasiona nenhum espanto, pois acredito na teoria espírita de que Jesus organizou toda a formação do nosso planeta, desde o seu desprendimento da nebulosa solar. Ele e seus auxiliares organizaram as camadas geológicas, o princípio da vida vegetal, o desenvolvimento da vida animal, o desenvolvimento da própria espécie humana, e organiza todo o desenvolvimento intelectual e moral dos espíritos que estão ligados a Terra. Crente nisto considero Jesus como Mestre e Governador espiritual do planeta Terra. Para tal é claro que Ele, enquanto a alma mais perfeita a encarnar na Terra, já existia desde muito antes desta ser criada há cerca de cinco bilhões de anos atrás. Esse é um assunto que ainda pretendo estudar mais detalhadamente através de outras leituras.
Mais adiante o autor diz que, no conceito deixado por Cristo, Deus é um pai acessível, afetivo, atencioso e preocupado com as dificuldades que atravessamos e que, embora nem sempre retire as dificuldades da vida, propicia condições para superá-las. O filho e o Pai estavam participando juntos, passo a passo, de um plano para transformar o ser humano. O discurso de Jesus foi incomum. Ele encerrou sua curta vida terrena discorrendo não sobre regras, leis e sistemas de punição, mas simplesmente sobre o amor. Somente o amor pode cumprir espontaneamente e prazerosamente todos os preceitos. Somente ele dá sentido à vida e faz com que ela, mesmo com todos os seus percalços, seja uma aventura tão bela que rompe e renova as forcas a casa manhã. O amor transforma miseráveis em homens felizes; a ausência do amor transforma ricos em miseráveis. O amor que Jesus sentia pelo ser humano o protegia do calor escaldante dos desertos da vida. Chegou ao absurdo de amar seus próprios inimigos. Quão diferente nós somos! Nosso amor é circunstancial e restrito, tão restrito que, às vezes, não sobra energia nem para amar a nós mesmos e sentir um pouco de auto-estima. O pensamento de Jesus revolucionou o pensamento dos judeus que adoravam um Deus inatingível e imarcescível. Os discípulos também tiveram seus paradigmas religiosos rompidos. Eles não conseguiam entender que aquele que consideravam o filho de Deus estava revestido da natureza human, que ele era um homem genuíno.
Gostei da parte em que o autor diz que somente os fortes conseguem admitir suas fragilidades. Realmente isso é verdade. Aqueles que são fortes por fora são de fato frágeis, pois se escondem atrás de suas defesas, de seus gestos agressivos, de sua auto-suficiência, de sua incapacidade de reconhecer erros e dificuldades. O Mestre era poderoso, sabia se fazer pequeno e acessível. Posicionava-se como imortal e parecia inabalável, mas, ao mesmo tempo, gostava de ter amigos finitos e de dividir com eles seus sentimentos mais ocultos. O mestre de Nazaré sabia tanto ouvir como falar de si mesmo. Ao expor a sua dor, estava treinando seus discípulos a serem abertos e autênticos uns com os outros, a dividirem as suas angustias, a aprenderem a arte de ouvir. Por amar aqueles jovens galileus, ele não se importou em usar a própria dor como instrumento pedagógico para conduzi-los a se interiorizar e construir uma vida saudável e sem representações. Com o mestre da escola da vida, aprendemos que a maturidade de uma pessoa não é medida pela cultura e eloqüência que possui, mas pela esperança e paciência que transborda, pela capacidade de estimular as pessoas a usarem os seus erros como tijolos da sabedoria. Ele deu-nos muitos exemplos vivos disso. Cristo sabia que havia um traidor no meio dos discípulos, mas o tratou com dignidade e nunca o excluir. Sua atitude é impensável. Ele nem mesmo impediu a traição e Judas, apenas o levou a repensar sua atitude. Jesus não apenas acolheu leprosos, cuidou das prostitutas e respeitou os que pensavam contrariamente a ele, mas também chegou ao cumulo de ser afetivo com seu próprio traidor. Tudo isso demonstra que o compromisso primordial de Jesus era com a sua consciência, e não com o ambiente social. Ele não distorcia seu pensamento nem procurava dar respostas para agradar as pessoas que o circundavam. Esse é um dos maiores aprendizados que tenho tentado estabelecer na prática do meu dia-a-dia para seguir o exemplo de meu Irmão Maior. Por ser fiel a sua consciência, Jesus freqüentemente envolvia-se em embaraços e colocava sua vida em grave perigo. Ele considerava a fidelidade à sua consciência mais importante do que qualquer tipo de acordo escuso ou dissimulação de comportamento. Para mim, a transparência de Jesus e a coragem para assim ser, foi sua grande essência luminosa e um dos maiores exemplos deixados.
Jesus não caminhava pelas avenidas do certo e errado, pois compreendia que a existência humana é muito complexa para ser esquadrinhada por regras comportamentais e leis. Por isso, veio não apenas para cumprir a lei mosaica, mas para imergir o homem na lei flexível da vida. Moises veio com o objetivo de corrigir as rotas exteriores do comportamento, mas Cristo tinha vindo com o objetivo de corrigir o mapa do coração, o mundo dos pensamentos e das emoções. Tinha vindo para produzir uma profunda revolução na alma e no espírito humano. Mesmo com a rejeição dos discípulos, essa revolução ainda estava ocorrendo dentro deles. O germe do amor e da sabedoria estava sendo cultivado naqueles galileus, ainda que suas atitudes não demonstrassem e ninguém pudesse perceber. Pela postura de Jesus é fácil perceber que nada preserva mais a emoção do que diminuir a expectativa que temos das pessoas que nos circundam. Toda vez que esperamos demais delas, temos grandes possibilidades de cair nas raias da decepção. Temos de aprender com o mestre a velejar para dentro de nós mesmos, enfrentar a dor com ousadia e dignidade e usá-la para lapidar a alma. Jesus nunca fugiu dos seus ideais. Nem por um milímetro afastou-se da sua missão. Pelo contrário, lutava dentro de si mesmo para realizar a vontade do Pai, que também era a sua, e se preparar para transcender o insuperável. Até mesmo quando discursava sobre o seu corpo e seu sangue, na ultima ceia, havia nele uma forte chama de esperança em transcender o caos da morte.
Tem uma parte do livro que explica sobre o Registro Automático da Memória e achei-a bem interessante. Tudo o que pensamos e sentimos é registrado automática e involuntariamente pelo fenômeno RAM. Esse fenômeno tem mais afinidade com as experiências que têm mais ‘volume’ emocional, ou seja, registra-as de maneira mais privilegiada. Por isso, ‘recordamos’ com mais facilidade as experiências que nos deram mais tristezas ou alegrias. Em uma pessoa que não tem proteção emocional, as experiências produzidas pelos estímulos estressantes, por serem mais angustiantes, são registradas de maneira privilegiada na memória, ficando, portanto, mais disponíveis para serem lidas. Estes, uma vez arquivados, nunca mais podem ser excluídos, somente reescritos. Por isso, o tratamento psiquiátrico e psicoterapêutico não é cirúrgico, mas um lento processo. Logo, também é difícil, mas não impossível, mudar as características de nossas personalidades. É mais fácil, como Cristo fazia, proteger a emoção ou reciclá-la rapidamente quando a sentimos do que reescrevê-la depois de registrada nos arquivos inconsciente da memória. Ele gozava de uma saúde emocional impressionante, pois superava continuamente as ofensas , as dificuldades e as frustrações que vivia. Portanto, o fenômeno RAM não registrava experiências negativas em sua memória, pois simplesmente ele não as produzia em sua mente. Isso não é fantástico?!
Com Jesus aprendi que a beleza não está fora, mas nos olhos de quem a vê. Assim é com qualquer outro tipo de impressão ou sensação. Dentro de nós deve estar a nossa felicidade, e não dentro do que os outros pensam e falam de nós. Cristo vivia um prazer e uma paz que emanavam do seu interior. Suas mais ricas emoções eram estáveis porque não eram financiadas pelas circunstancias sociais e nem pelas atitudes dos outros em relação a ele. Jesus sofreu e morreu assumindo sua condição de homem. Se fosse de outra forma, jamais poderíamos extrair experiências Dele, pois somos frágeis, inseguros e com enormes dificuldades para lidar com nossas misérias. Até na morte Ele soube fazer do caos um momento que deixaria eternas e profundas lições de vida à humanidade. Se, durante a sua jornada, Ele não soubesse administrar a sua inteligência, ele estrangularia a sua emoção, pois, por estar consciente do drama que atravessaria, ficaria atormentando continuamente a sua própria mente, o que não lhe daria condições para brilhar na arte de pensar, ser sereno, afetivo e dócil com todas as pessoas que cruzaram a sua historia. Alguns, diante das suas angustias, desistem dos seus sonhos e, às vezes, até da própria vida. Cristo era diferente, amava viver cada minuto da sua vida. Tinha consciência de que o feririam sem piedade, mas ele não se suicidaria. Havia predito que o humilhariam, cuspir-lhe-iam no rosto e o tornariam um show público de vergonha e dor, mas ele permanecia de pé, firme, fitando os olhos dos seus acusadores. A única maneira de cortá-lo da terra dos viventes era matá-lo, extrair-lhe cada gota do seu sangue. Nunca alguém que sofreu tanto demonstrou convictamente que a vida, apesar de todas as suas intempéries, vale a pena ser vivida! Bem, o segundo livro deixarei para amanhã. já está tarde e estou sonolenta. Até lá.
[i] CURY, Augusto Jorge. O mestre da sensibilidade, vol. 2: Análise da inteligência de Cristo. São Paulo: Ed. Acadêmica de Inteligência, 2000.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

carta 18

“Olá ‘Ami’! Tudo bem contigo? Aqui em casa as coisas tranqüilamente estão se sucedendo e continuo estando muito bem comigo mesma. Ontem a senhora das excursões ligou para mamãe tentando convencer-nos a ir num forró na cidade do Prata, o qual realmente não temos interesse algum, e outra para Guarapari e Vitória, a qual fiquei com vontade, mas sei que posso esquecer pelo fato de mamãe não animar e não me deixar ir sozinha. Além do mais, a viagem de sete dias vai cair na época em que eu terei de dormir na vovó e isso torna o passeio impossível, uma vez que não estou disposta a pagar a tia “Florymel” para dormir lá para mim por conta de uma viagem que inclusive prefiro fazer por conta própria numa época de baixa temporada. Se bem que isso também é impossível, pois mamãe só me deixa viajar sozinha se for por estrema necessidade (isso nem tanto por questões financeiras, mas pela preocupação desmedida que ela tem). Como ela me banca financeiramente eu me vejo na obrigação de obedecer. Além do mais, muitas vezes eu prefiro desistir de viajar, pois, para mim que amo viajar e gostaria de praticamente viver nas estradas, toda viagem é pouco e nunca me satisfazem. Por fim acabo ficando sempre insatisfeita e daí acabo incutindo em minha mente que o melhor é nem pensar nesse assunto e evitar tudo que seja relacionado a tal insatisfação. Se não tenho condições para realizar-me agora nesse quesito de conhecer o mundo de canto a canto, esqueço o assunto aguardando o momento em que me será concedida essa oportunidade e sinceramente, não tenho duvida alguma de que tal momento me chegara se eu tiver paciência suficiente para esperar.
Falando sobre hoje, posso relatar que algo divertido e inesperado aconteceu. Vou te contar por parte. Eu havia ido à minha avó com mamãe e conforme planejado saí logo em seguida indo para o Parque do Sabiá fazer minha caminhada/corrida. Entrei pelo portão do parquinho infantil e já estava terminando meu trajeto quando avistei um casal a minha frente. De imediato eu lembrei de você e sem entender porque sua imagem viera tão repentina e inesperada em minha mente, olhei para o casal e me perguntei se a moça a minha frente não seria você. Daí eu fiquei observando e, ainda estando a uma certa distancia, eu respondi para mim mesma: ‘Claro que não é a ‘Ami’, ela sempre foi mais alta do que eu, não, essa daí não é ela’. Continuei andando e minha idéia estava fixa em você, algo que me deixou intrigada. Voltei a olhar para o casal caminhando a minha frente e cheguei mais perto para analisar melhor. Olhei o cabelo amarado em rabo alto e continuei dialogando comigo mesma: ‘Esse cabelo me lembra bastante o dela, mas seria muita coincidência eu encontrar justamente a ‘Ami’ aqui e ainda mais acompanhada... se bem que agora ela está noiva e... mas é claro que não deve ser ela e isso é bom pois estou com pressa e não terei de diminuir meu ritmo’. Realmente eu estava apressada por dois motivos: mamãe ficara me esperando na vovó para voltarmos juntas para casa e além disso eu estava tendo a impressão que entrara um mosquitinho no meu olho enquanto corria e isso estava me incomodando muito. Eu não havia lhe reconhecido, mas intuitivamente podia sentir que era você. Entretanto fiz-me crer que não era você e já ia ultrapassando sem nenhuma preocupação quando fiquei chocada ao verificar que realmente era você quem estava ali. Quando você me cumprimentou eu fiquei estarrecida, não pelo encontro em si, mas por dar-me conta que eu já sabia intuitivamente que aquela era você, mesmo que visualmente estivesse me parecendo outra pessoa qualquer. Fiquei tão impressionada comigo mesma que lhe falei por duas vezes que não havia lhe reconhecido de costas. Em se falando de aparência realmente não havia como lhe reconhecer, até porque fazia muito tempo que não lhe via pessoalmente, mas eu realmente senti que era você e fiquei desajeitada ao dar-me conta do erro cometido de não ter confiado em minha própria sensação interior. Não que isso fosse fazer diferença naquele momento, mas serviu para alertar-me a não desvalorizar minha intuição.
Ao chegar na vovó o clima estava péssimo: briga total entre mamãe, vovó e ‘Florymel’. Nas duas noites (22 e 23) que vovó dormiu na casa de ‘Pituca’, ela descobriu que ‘Florymel’ está ganhando duzentos reais de ‘Pituca’ para dormir lá nas dez noites desta. Logicamente isso é inaceitável para ela, principalmente pelo fato de minha tia ‘Florymel’ viver dizendo que ‘dinheiro é para estourar’, ou seja, gastar á vontade tendo ou não tendo, o que irrita profundamente pessoas muito econômicas como eu e vovó. Não vou discorrer meu tempo agora para detalhar sobre tal assunto, até porque isso não é problema meu e estou de bem com minha consciência dormindo e ajudando a cuidar da vovó nos dez dias (e noites) de mamãe. É claro que a discussão em si puxou outros motivos passados que ficaram mal resolvidos e em resumo posso dizer que a situação permanece uma total bagunça. Não sei o que vai suceder dessa enrascada e só me resta ficar na espreita dos acontecimentos dos próximos dias.
Ah, antes que esqueça de escrever, hoje levei o Xeréu para o quintal e deixei-o algum tempo perto da bacia de água donde os passarinhos costumam se reunir. Não sei exatamente quanto tempo um passarinho leva para aprender e conseguir voar, mas tenho a impressão que ele não vai desenvolver tal capacidade se não estiver em contato com o meio animal característico dele. De toda forma não vou achar ruim se ele não aprender a voar, vou apenas sentir compaixão pelo fato dele não desfrutar os ares. Imagino que nunca tendo voado ele não vá sentir falta disso caso não consiga desenvolver tal característica sozinho. Pensando pelo lado do instinto animal creio que ele ainda vai conseguir voar naturalmente, mas por outro lado, também penso que ele está bem achando que eu sou a ‘mãe pássara’ dele e nenhuma falta sentiria do mundo lá fora se pode ter comida e carinho aqui dentro. Estive comparando o Xeréu com os seres humanos (especialmente comigo mesma) e fico pensando o quanto subestimamos nossa própria capacidade quando não nos desenvolvemos num meio que nos estimule, ensine e nos capacite a ‘voar’, ser livre e independente. Muitas vezes o desconhecido não nos faz falta, mas unicamente porque não conhecemos as vantagens que ele poderia proporcionar. Outras vezes achamos que conhecemos tais vantagens, mas duvidamos da veracidade de serem vantagens e não apenas meras ilusões de um coração insatisfeito que pertence a uma alma ilimitada num mundo e corpo de matéria limitado. Fico a refletir: um incidente separou o Xeréu de sua mãe verdadeira e talvez ele não desenvolva sua capacidade natural de voar. Um desarranjo da natureza quase leva um pequenino ser a morte, mas ele é salvo, sobrevive e se ambienta num mundo à parte que não é o dele. Caso o Xeréu não voe, nem ele e nem eu temos culpa, muitíssimo menos Deus ou a natureza em si. Pensar tudo isso em cima de um simples pássaro parece tolice, mas daí eu fico me indagando quantos seres humanos não passam por essa mesma situação. Eu mesma fico perdida ao achar que me pareço com ele no sentido de sentir minhas ‘asas’ atrofiadas. Não estou falando de ter liberdade, pois isso me é concedido e também estou concedendo ao Xeréu; estou falando de ter capacidade, coragem, vontade e mérito para usufruir dessa liberdade. Até que ponto nós desenvolvemos naturalmente o direito de ser livre e o dom de usar a liberdade? Até que ponto nós precisamos que nos ensinem a usá-la para não acabarmos atolados no medo, na insegurança e na inércia do comodismo? Não sei que conclusão tirar dessa analise, mas estou preocupada em me sentir na própria situação do Xeréu. Vou continuar meditando e sei que Papai do Céu continuará me ensinando através de pequenos detalhes.
Sentindo-me abençoada continuarei amando e cuidando do Xeréu, enquanto Deus ama e cuida de todos nós. Sei que todos os acontecimentos seguem um propósito divino e creio que tudo está sempre certo, se realizando no momento adequado e da forma correta. Isso me acalma, pacifica e alegra meu interior, me dá segurança emocional, estabilidade espiritual e uma leveza que traduzo pela palavrinha fé. Nesses últimos dias tenho estado mais desenvolta, é como se houvesse tirado um peso de cima do meu ser. Saber que eu posso e devo ser autentica sem medo ou conflito interior tem sido mágico e já consigo perceber algumas diferenças no meu comportamento. Eu sempre soube que podia e devia ser eu mesma, mas acho que somente agora estou milagrosamente tomando coragem para tal. Acho que é questão de verdadeira conscientização, algo que há anos venho extraindo das leituras que efetuo. De pouco em pouco, numa caminha lenta e quase imperceptível de aprendizados, sinto que estou evoluindo e isso é maravilhoso. Eu finalmente aprendi que o meio externo pode contribuir no crescimento da nossa auto-estima, mas somente o meio interno pode nos propiciar o desenvolvimento do auto-amor, algo fundamental para o surgimento da felicidade, da paz e da valorização pessoal.
Emprego, bens materiais, relacionamentos, família, enfim, nada, absolutamente nada, pode nos complementar e satisfazer se não tivermos enraizado em nós mesmos a base do auto-amor. Dinheiro, carreira, casamento, filhos, viagens, luxo e conforto é bom, mas se torna um nada quando não estamos de bem conosco mesmos. Ou melhor, se torna uma grande atrapalhação que nós faz sentir perdidos, injustiçados, indignados e insatisfeitos para com a vida. Enquanto não entendermos que o sucesso da vida está em amar a si próprio e ao próximo, ficaremos procurando em vão pela felicidade num sucesso inexististe, utópico, medíocre e ignóbil. A tristeza se transforma o preço da nossa ignorância. Nada poderia ter sido melhor para mim nesse momento da minha vida do que descobrir que eu posso estar de bem com a vida, com o mundo e principalmente comigo mesma, independente de ter ou não o lado profissional estabelecido, de ser econômica ou de ser gastadeira, de ser introspectiva ou extrovertida. Eu aprendi que os pertences e afazeres não são a minha realidade, mas apenas um complemento que não deve interferir no meu auto-amor. Depois da ultima tentativa frustrada de ver-me trabalhando, eu aprendi claramente que não preciso aliar o meu valor e minha capacidade pessoal no fato de ter ou não um emprego, de trabalhar aqui ou ali, mas sim no fato de assumir minha personalidade e estar em paz com minha consciência. Isso tem feito total diferença em minha maneira de ser e agir, principalmente perante outras pessoas. Finalmente me vejo tendo uma ponta de êxito no quesito autenticidade. Ainda estou em luta por ser mais verdadeira, natural e espontânea. Sei que vou conseguir! Bem, creio que por hoje isso era tudo o que tinha para escrever e lhe contar. Até a próxima mensagem, já que não conto com a sorte de lhe reencontrar casualmente outra vez pelos próximos dias. Grande abraço e tudo de bom!
”.