Inicialmente "Alra" relatou-me os seguintes sonhos ao acordar: “Primeiro eu estava com minha mãe num clube de águas quentes e passávamos de uma piscina para outra (as piscinas eram emendadas). O sol estava quente e disse que teríamos de ficar na sombra, uma vez que estávamos sem chapéu e sem óculos de sol. Nisso adentramos numa piscina que era coberta e na seqüência eu não tive como passar para a próxima piscina, pois estava escuro e eu não conseguia enxergar direito. Uma menina passou rápido perto de mim e disse que a próxima piscina estava vazia e constatei que de fato ninguém a utilizava. Tentei visualizar se o vazio que a menina falara era sem água, mas não conseguia enxergar. Pensei que talvez a mesma não estivesse sendo utilizada por conter água fria ou por ser muito funda. Preferi não arriscar.
A segunda lembrança que tenho é de estar aos beijos com um rapaz em um local público, mas não lembro exatamente que tipo de lugar era. Havia outros casais, eu estava bem tranqüila e segura de mim. Eu beijava-o apenas com os lábios de maneira lenta e longa conforme o gosto dele, mas procurava me satisfazer também. Houve um momento em que eu tentei um beijo de língua, mas ele demonstrou desagrado e respeitei-o buscando outras formas de agradar-me do beijo e realmente eu conseguia isso. Era como se estivéssemos descobrindo maneiras agradáveis de nos beijar dentro do gosto pessoal de ambos e, assim, usufruir o momento para troca de prazer. Eu não sentia existir laço de compromisso entre nós, ou seja, não existia afeto de forma mais profunda (creio que de ambas as partes). Interessante notar que eu me sentia favorecida por isso e até posso dizer que essa era a minha segurança maior. Parece contraditório dizer que sentia segurança por não haver compromisso ou amor, mas eu focava a existência de liberdade, respeito e nenhuma cobrança. Embora no sonho ele fosse um rapaz desimpedido, esses sentimentos me remetem aos relacionamentos que já tive com homens casados. Outro ponto interessante é que eu me sentia no domínio da situação, não no sentido de posse ou de autoridade sobre ele, mas no sentido de autonomia, de coragem para me satisfazer, de capacidade de autodesempenho sem medo de desagradar. Essa sensação me é falha na vida real, não só em questão de relacionamentos, mas com tudo em geral. Também notei que sendo mais ativa do que passiva eu me sentia na posição de homem, não de forma literal, mas de forma crítica ao que eu estava fazendo, ao meu comportamento. Claro que no sonho isso não me incomodou e nem deveria, mas na vida real eu não sou tão ativa e atuante assim. Sei que é besteira, principalmente no século atual, separar ativo para masculino e passivo para o feminino, mas na prática isso sempre me freou as atitudes. Raras foram às vezes que consegui tomar iniciativa perante uma figura masculina, independente da idade. Talvez isso até indique submissão, mas creio ser uma rigidez de postura passiva que joga a obrigação sobre o mais forte. É como se eu fosse antiquada por vontade ou, ao menos, por culpa própria.
Houve um momento em que tive orgasmo apenas com os beijos e senti-me estranha por ter provocado, permitido e sentido aquilo antes da hora. Nisso começou a pingar muito de um liquido azul da minha vagina como se fosse tinta bem escura. Só dava para notar que era azul quando a mesma caia no chão e esparramava. Fiquei muito assustada com aquilo pela anormalidade do fato. Questionava-me se teria feito algo errado para aquilo estar acontecendo comigo. Existia um sentimento de culpa, mas eu também pressupunha que apenas sentia aquilo por causa de crenças castradoras que existiam em mim. Em seqüência jorrou uma bola do mesmo liquido na cor vermelha e pensando ser sangue coagulado fiquei tranqüila pois, embora aquilo não fosse normal, ao menos sendo vermelho eu sabia que era sangue. Depois disso eu voltei ao normal e então acordei. Confesso que fico chocada com sonhos desse tipo, pois são muito estranhos e não sei o que representam. Pode parecer um absurdo, mas acho que eu sou machista por natureza. Estive pensando como eu seria se fosse um homem. Creio que eu buscaria uma mulher exatamente como sou, ou seja, mais recatada, caseira, que gosta de trabalhos manuais e que aprecia a natureza. Não que eu quisesse ser homem, mas sinto que enquanto sendo mulher eu sou agravada por minhas próprias crenças antiquadas. Será que o sonho representa que ainda estou na tentativa de reconciliação de anima X animus?”
Disse-lhe que seu primeiro sonho tinha simbolismo de transição e mudanças: nadar na vida, nas águas primordiais. Poder-se-ia pensar em estado de regressão ou regressivo, mas não preferi supor isso. Havia relação com a vida ligada a forte presença da mãe, seja por simbiose ou por proteção. Piscinas, conteúdo sombrio desconhecido, avanço, busca de referências, cautela, arriscar, ficar, tomar cuidados, etc. Uma menina passa rápido, ou seja, impulsos, foco de atenção, mobilização de seus filtros de referências externas. Seu estado de consciência não arisca de imediato, pois avalia o cenário para se posicionar. Eis mudanças de atitude decorrentes de novas posturas assumidas frente à realidade. O sonho demonstra que, na vida real, as pessoas se preparam para realizar mudanças externas de cenário, ou então, a psiquê se atualiza, se modifica, preparando-se para que as transformações sejam internas, e não no cenário. Daí a diferença entre o que podemos mudar fora e o que necessitamos mudar dentro. É apenas um sonho de atualização psíquica
Disse-lhe (sobre o segundo sonho) que a atitude pode, sem dúvida, chamar de pró-ativa. "Alra" se assume no seu desejo, rompe com o tradicionalismo, o conservadorismo, o modelo de mulher incorporado, por si própria, como o adequado, o valorizado, o idealizado, o aceitado pelos seus princípios e valores, e exercita a sua experiência pessoal de ser mulher, como individuo que se dá o direito de se descobrir na busca do que lhe dá prazer, na satisfação dos seus desejos e fantasias. Sua experimentação pode deixá-la desconcertada, pois rompe com o seu modelo clássico de mulher que funciona focada no prazer do homem (como objeto de prazer dele), para avançar na busca de carícias que satisfaçam a sua própria demanda afetiva.
Disse a "Alra" que conceitualmente ela estava prisioneira de uma fixação oral em decorrência de uma oralidade não satisfeita na fase de vivência simbiótica com a mãe. A vivência oral realizada no exercício da sexualidade adulta pode permiti-la viver o não vivido e se libertar ou liberar energias aprisionadas na frustração do momento passado. Para essa liberação não basta apenas viver a sexualidade de forma plena ou ter expectativa de que o outro satisfaça o seu desejo. É necessário que ela parta em busca do seu próprio prazer, siga a referência íntima de sua necessidade, dos seus desejos e de seus impulsos. Isto pode parecer assustador e chocante, primeiro por que nos coloca alinhados, ou sob o poder da força de satisfação dos desejos. Em geral nem sabemos de onde os desejos vêm e onde eles podem nos levar, mas a consciência nos guia, pois permite, nesta jornada do imponderável, exercitar-se para realizá-los dentro de princípios e limites de segurança e bom senso. Disse-lhe que é preciso se permitir ser pró-ativa, descobrir seus desejos e o caminho de saciá-los, sem colocar no outro a responsabilidade de que ele a faça feliz e realizada. Afirmei-lhe que a sexualidade está em seu corpo, na sua energia, ou seja, é preciso se conhecer para que possa se libertar ou transmutar dessa sexualidade e energia, transcendendo-a de forma plena ao seu tempo.
A sociedade já vem rompendo com os modelos puros de homem e mulher. Quase já não existe os modelos de ativo para falus e passivo para vagis. Mulheres que se responsabilizam pela satisfação do prazer permitem aos homens que se façam passivos e objetos de prazer para no momento seguinte serem ativos e que, ainda, satisfaçam as mulheres que gostam da virilidade máscula. Não há modelos pré-definidos como no passado de o homem ativo e mulher passiva. Disse-lhe para ser livre na sua busca de prazer. O sonho compensa seus desejos e mostra o caminho que deve ser seguido para encontrar a satisfação dos anseios. "Alra" precisa encontrar o seu caminho pessoal para ser feliz. Isso é seu direito e é seu dever para consigo mesma. Ela precisa refazer conceitos e deixar que essa mulher que existe em seu interior aflore e mostre a sua força, beleza e determinação.
COLABORAÇÃO ESPECIAL: M. EDUARDO
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