“Acabei de ler um livr chamado O ciclo da auto-sabotagem[i]. O livro explica que reparamos nos outros aquilo que não conseguimos perceber em nós mesmos. O que vemos nas pessoas com tanta clareza se oculta dentro de nós próprios porque nossos comportamentos repetitivos são enraizados e instintivos.
Quando a atitude da família demonstra a uma criança que ela só receberá amor se for igual aos pais, ela começa a desenvolver o estilo de vida repetitivo da identificação absoluta com os pais. Isso, longe de ser bom, se torna uma tragédia. A criança começa a agir de modo passivo-agressivo, ou seja, externamente concorda com tudo e aceita as críticas dos pais, mas, por dentro, fica se corroendo. Ao longo da vida, independente da infância que tivemos, buscamos desesperadamente aquilo que não tivemos. Buscamos fontes que satisfaçam nossa necessidade de dependência e de segurança, sacrificando a criança curiosa e imaginativa. Para algumas pessoas a autonomia, a independência e o sucesso são apavorantes, pois significam que não poderão mais argumentar que suas necessidades precisam ser protegidas. Quando escolhemos um parceiro que nos remete à mãe ou ao pai, isso se faz na tentativa inconsciente de conseguir o amor e carinho que faltou. Ao perceber que o cônjuge não consegue atender às nossas expectativas, fantasiamos que conseguiremos torná-lo mais receptivo, generoso, forte, delicado e menos hostil. Interessante ressaltar que não expressar sentimentos e reações em palavras leva a pessoa à não expressar sentimentos em comportamentos e em reações emocionais. Outro ponto considerável é que, para alguns, a boa vida, a vida pacifica, se torna insuportável. Os sobreviventes não conseguem tolerar a paz e a tranqüilidade. De modo deturpado eles precisam de agitação e de problemas para se sentirem vivos. Assim também ocorre com aqueles que vêem o sucesso como a derrota dos outros e, conseqüentemente, como algo que não merecem. Outros são o contrário, tiveram muitas vantagens e oportunidades na vida e vivem com a sensação de que não conseguiram o suficiente, de que sempre são merecedores de mais, ou seja, nunca estão satisfeitos.
A compulsão a repetição é uma forma de traduzir em ação um trauma por meio de um comportamento destrutivo, embora quase sempre o individuo não tenha noção de que é exatamente isso que está fazendo. Quando colocamos em prática a mesma história dolorosa por repetidas vezes, na vida real ou nos sonhos, trata-se de uma tentativa de conseguir maestria e controle, de conseguir mudar o resultado pelo menos uma vez. Existe o medo e até a expectativa de que o pior vai acontecer. Viver com esse temor é algo tão intenso que, inconscientemente, o ímpeto é fazer com que ele, de fato, se realize, é precipitá-lo para acabar logo com aquilo e, assim, aliviar a ansiedade. Em outras palavras, em vez de viver aguardando que coisas ruins aconteçam por conta da sorte, do destino, da natureza ou de Deus, o individuo toma as rédeas da situação. É quase como se ele estivesse determinado: em vez de esperar pelo pior acontecer quando o destino decidir, eu farei acontecer da minha maneira e sob o meu controle. Assim, terei a sensação de estar dominando. A ansiedade é aliviada, pelo menos temporariamente. Entretanto, isso parece mais torturante do que benéfico.
Perante os eventos traumáticos, há uma necessidade profunda, compulsiva e inconsciente de dominar aquilo que foi experimentado como algo fora do controle. Quando não podemos obter o controle, às vezes reprimimos ou enterramos nossos sentimentos e memórias. Tal repressão é uma forma de nos proteger de experiências que perturbam nosso equilíbrio emocional. Mas essa repressão é negativa e nos leva a agir de maneira destorcida sem nem saber por qual motivo estamos nos causando mal. Quando há repressão, castigo, rejeição, manipulação e censura constantes, o crescimento de uma criança pode ser prejudicado pelo sentimento de culpa. Isso pode se tornar um padrão repetitivo de supressão e inibição da assertividade do individuo por toda a vida, com intuito de agradar aos outros. O conflito básico tem por fundamento o medo da rejeição, a perda de amor e, por fim, o medo da aniquilação. De um modo ou de outro, muito do que fazemos está voltado para provar que somos capazes de levar o melhor sobre o inevitável, uma tarefa que está além do controle e da razão. O homem não aceita facilmente sua própria mortalidade, e muitas de suas compulsões e sublimes esforços têm por objetivo driblar a morte. O melhor diante disso é aprender a se render à vida em seu fluxo natural, caminhar com ela deixando-a ter o domínio dos fatos, sejam eles positivos ou negativos. Devemos ter liderança de nós mesmos, mas não devemos ousar comandar a vida.
Gostei bastante da parte do livro que fala sobre os sonhos. Estes desempenham papel fundamental para a solução dos padrões de personalidade repetitivos e auto-sabotadores, bem como para a psicoterapia de modo geral. Os sonhos são a estrada real que conduz ao inconsciente, são uma maneira poderosa de auxiliar o processo de tornar consciente o que está inconsciente. Isso já foi comprovado na neurociência. O processo de tomada de conhecimento da vida interior e do comportamento do individuo através dos sonhos é como decifrar um enigma, resolver um quebra-cabeça. Sonhos recorrentes indicam que o problema ainda está presente e pedindo para ser avaliado e trabalhado. A arte da interpretação dos sonhos exige um trabalho de detetive. Os sonhos são estimulados e deflagrados por acontecimentos do dia-a-dia, mas todo sonho é uma parte do presente que repercute o passado. De todos os estímulos que recebemos durante o dia, escolhemos um evento, em geral aparentemente insignificante, para sonhar. As associações nos lembram de alguém significativo ou de um acontecimento que foi importante na nossa vida. Os sonhos camuflam, condensam, substituem uma pessoa por outra, um acontecimento por outro. Os sonhos são uma maneira de dizer a nós mesmos o que se passa em nossa mente. Tudo o que aflora por meio do sonho indica em que posição nós estamos em relação a nosso pensamento e a nossos relacionamentos. Quanto mais os sonhos se tornam acessíveis ao frescor da análise, mais úteis eles são, como se estivéssemos revelando segredos que surpreendessem até mesmo a nós, os sonhadores. Sabemos que, se esses segredos permanecerem ocultos, as mudanças dificilmente ocorrerão. Quando os segredos são revelados, pos mais embaraçosos ou vergonhosos que sejam, passamos a nos conhecer muito mais. Daí a importância de anotar os sonhos, de preferência usando o tempo verbal no presente do indicativo.
Vencer esses conflitos de auto-sabotagem é difícil, depende de encarar o que foi reprimido, sintonizar memórias e sentimentos dolorosos que há muito tempo gera medo e ansiedade. Depois de muitos anos protegendo-nos de nossos sentimentos, é assustador vivenciá-los; é como se ficássemos desamparados pelo mundo. Entretanto, esse é o caminho. A fuga disso faz o indivíduo ser falso agindo para agradar, sendo aquilo que acha que deve ser. Ser autêntico faz-nos acessar sentimentos e isso significa admitir pessoas, confiar e assumir o risco de ser magoado novamente. Em tais casos, a compulsão é evitar, esquivar-se e abandonar as relações que exigem proximidade. Para esses indivíduos é preferível ficar sozinho, ser solitário a ter de baixar a guarda. Mas isso não é algo consciente. É uma compulsão à repetição da fuga de magoas ou prejuízos potenciais. É preciso aprender a lidar com as magoas, com o julgamento e a rejeição para não ter que se privar de alegrias, elogios e amizades. Para tal não existe uma receita: cada pessoa precisa encontrar sua fórmula de perdoar, de amar e de ser humilde. Bem, vou ficando por aqui. Até qualquer hora...”
[i] ROSNER, Stanley e Patrícia Hermes. O ciclo da auto-sabotagem. Trad.: Eduardo Rieche. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Best Seller, 2009.
Quando a atitude da família demonstra a uma criança que ela só receberá amor se for igual aos pais, ela começa a desenvolver o estilo de vida repetitivo da identificação absoluta com os pais. Isso, longe de ser bom, se torna uma tragédia. A criança começa a agir de modo passivo-agressivo, ou seja, externamente concorda com tudo e aceita as críticas dos pais, mas, por dentro, fica se corroendo. Ao longo da vida, independente da infância que tivemos, buscamos desesperadamente aquilo que não tivemos. Buscamos fontes que satisfaçam nossa necessidade de dependência e de segurança, sacrificando a criança curiosa e imaginativa. Para algumas pessoas a autonomia, a independência e o sucesso são apavorantes, pois significam que não poderão mais argumentar que suas necessidades precisam ser protegidas. Quando escolhemos um parceiro que nos remete à mãe ou ao pai, isso se faz na tentativa inconsciente de conseguir o amor e carinho que faltou. Ao perceber que o cônjuge não consegue atender às nossas expectativas, fantasiamos que conseguiremos torná-lo mais receptivo, generoso, forte, delicado e menos hostil. Interessante ressaltar que não expressar sentimentos e reações em palavras leva a pessoa à não expressar sentimentos em comportamentos e em reações emocionais. Outro ponto considerável é que, para alguns, a boa vida, a vida pacifica, se torna insuportável. Os sobreviventes não conseguem tolerar a paz e a tranqüilidade. De modo deturpado eles precisam de agitação e de problemas para se sentirem vivos. Assim também ocorre com aqueles que vêem o sucesso como a derrota dos outros e, conseqüentemente, como algo que não merecem. Outros são o contrário, tiveram muitas vantagens e oportunidades na vida e vivem com a sensação de que não conseguiram o suficiente, de que sempre são merecedores de mais, ou seja, nunca estão satisfeitos.
A compulsão a repetição é uma forma de traduzir em ação um trauma por meio de um comportamento destrutivo, embora quase sempre o individuo não tenha noção de que é exatamente isso que está fazendo. Quando colocamos em prática a mesma história dolorosa por repetidas vezes, na vida real ou nos sonhos, trata-se de uma tentativa de conseguir maestria e controle, de conseguir mudar o resultado pelo menos uma vez. Existe o medo e até a expectativa de que o pior vai acontecer. Viver com esse temor é algo tão intenso que, inconscientemente, o ímpeto é fazer com que ele, de fato, se realize, é precipitá-lo para acabar logo com aquilo e, assim, aliviar a ansiedade. Em outras palavras, em vez de viver aguardando que coisas ruins aconteçam por conta da sorte, do destino, da natureza ou de Deus, o individuo toma as rédeas da situação. É quase como se ele estivesse determinado: em vez de esperar pelo pior acontecer quando o destino decidir, eu farei acontecer da minha maneira e sob o meu controle. Assim, terei a sensação de estar dominando. A ansiedade é aliviada, pelo menos temporariamente. Entretanto, isso parece mais torturante do que benéfico.
Perante os eventos traumáticos, há uma necessidade profunda, compulsiva e inconsciente de dominar aquilo que foi experimentado como algo fora do controle. Quando não podemos obter o controle, às vezes reprimimos ou enterramos nossos sentimentos e memórias. Tal repressão é uma forma de nos proteger de experiências que perturbam nosso equilíbrio emocional. Mas essa repressão é negativa e nos leva a agir de maneira destorcida sem nem saber por qual motivo estamos nos causando mal. Quando há repressão, castigo, rejeição, manipulação e censura constantes, o crescimento de uma criança pode ser prejudicado pelo sentimento de culpa. Isso pode se tornar um padrão repetitivo de supressão e inibição da assertividade do individuo por toda a vida, com intuito de agradar aos outros. O conflito básico tem por fundamento o medo da rejeição, a perda de amor e, por fim, o medo da aniquilação. De um modo ou de outro, muito do que fazemos está voltado para provar que somos capazes de levar o melhor sobre o inevitável, uma tarefa que está além do controle e da razão. O homem não aceita facilmente sua própria mortalidade, e muitas de suas compulsões e sublimes esforços têm por objetivo driblar a morte. O melhor diante disso é aprender a se render à vida em seu fluxo natural, caminhar com ela deixando-a ter o domínio dos fatos, sejam eles positivos ou negativos. Devemos ter liderança de nós mesmos, mas não devemos ousar comandar a vida.
Gostei bastante da parte do livro que fala sobre os sonhos. Estes desempenham papel fundamental para a solução dos padrões de personalidade repetitivos e auto-sabotadores, bem como para a psicoterapia de modo geral. Os sonhos são a estrada real que conduz ao inconsciente, são uma maneira poderosa de auxiliar o processo de tornar consciente o que está inconsciente. Isso já foi comprovado na neurociência. O processo de tomada de conhecimento da vida interior e do comportamento do individuo através dos sonhos é como decifrar um enigma, resolver um quebra-cabeça. Sonhos recorrentes indicam que o problema ainda está presente e pedindo para ser avaliado e trabalhado. A arte da interpretação dos sonhos exige um trabalho de detetive. Os sonhos são estimulados e deflagrados por acontecimentos do dia-a-dia, mas todo sonho é uma parte do presente que repercute o passado. De todos os estímulos que recebemos durante o dia, escolhemos um evento, em geral aparentemente insignificante, para sonhar. As associações nos lembram de alguém significativo ou de um acontecimento que foi importante na nossa vida. Os sonhos camuflam, condensam, substituem uma pessoa por outra, um acontecimento por outro. Os sonhos são uma maneira de dizer a nós mesmos o que se passa em nossa mente. Tudo o que aflora por meio do sonho indica em que posição nós estamos em relação a nosso pensamento e a nossos relacionamentos. Quanto mais os sonhos se tornam acessíveis ao frescor da análise, mais úteis eles são, como se estivéssemos revelando segredos que surpreendessem até mesmo a nós, os sonhadores. Sabemos que, se esses segredos permanecerem ocultos, as mudanças dificilmente ocorrerão. Quando os segredos são revelados, pos mais embaraçosos ou vergonhosos que sejam, passamos a nos conhecer muito mais. Daí a importância de anotar os sonhos, de preferência usando o tempo verbal no presente do indicativo.
Vencer esses conflitos de auto-sabotagem é difícil, depende de encarar o que foi reprimido, sintonizar memórias e sentimentos dolorosos que há muito tempo gera medo e ansiedade. Depois de muitos anos protegendo-nos de nossos sentimentos, é assustador vivenciá-los; é como se ficássemos desamparados pelo mundo. Entretanto, esse é o caminho. A fuga disso faz o indivíduo ser falso agindo para agradar, sendo aquilo que acha que deve ser. Ser autêntico faz-nos acessar sentimentos e isso significa admitir pessoas, confiar e assumir o risco de ser magoado novamente. Em tais casos, a compulsão é evitar, esquivar-se e abandonar as relações que exigem proximidade. Para esses indivíduos é preferível ficar sozinho, ser solitário a ter de baixar a guarda. Mas isso não é algo consciente. É uma compulsão à repetição da fuga de magoas ou prejuízos potenciais. É preciso aprender a lidar com as magoas, com o julgamento e a rejeição para não ter que se privar de alegrias, elogios e amizades. Para tal não existe uma receita: cada pessoa precisa encontrar sua fórmula de perdoar, de amar e de ser humilde. Bem, vou ficando por aqui. Até qualquer hora...”
[i] ROSNER, Stanley e Patrícia Hermes. O ciclo da auto-sabotagem. Trad.: Eduardo Rieche. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Best Seller, 2009.
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