"Ágape" acordou muito cedo, pois pretendia ir com sua mãe para a chácara, mas como esta não houvera ligado para “Cinaty” combinando de se encontrarem, a ida acabou sendo adiada. O dia nisso se fez negativo, pois "Graúda" e "Ágape" sem nada para fazer começaram a se desentender. "Graúda" disse que não sabia o que ia fazer com seu décimo terceiro e "Ágape" logicamente recebeu tais palavras como uma flechada envenenada. Ela detestava conversas ligadas a dinheiro e, uma vez não conseguindo gastar nem para o básico da alimentação, era torturante para seus ouvidos escutar "Graúda" pensar em voz alta no que poderia desperdiçar seu décimo terceiro e ainda dizer tal sandice como se desejasse uma opinião. Pela milésima vez "Ágape" disse para sua mãe não lhe falar sobre assuntos financeiros, pois não queria saber o que esta faria ou não com seu dinheiro. Mas "Graúda" obviamente achava que "Ágape" tinha que engolir sapo e dizer que este estava saboroso como um camarão. "Graúda" caiu no mesmo erro de sempre de querer convencer "Ágape" que ela tinha de aceitar os gastos financeiros, mas a questão não era falta de aceitação, pois "Ágape" tinha consciência de que não podia proibir sua mãe de gastar o próprio dinheiro; a questão era o fato de "Ágape" não desejar e se esquivar da irritação e do desgaste físico, psicológico e emocional que sofria quando lhe impunham participar de compras, procuras e anúncios destas, fossem elas quais fossem. Para não deixar a discussão tomar tamanhos indevidos, "Ágape" saiu sem rumo pela rua e sem alternativa resolveu dar o ponto final de sua perambulação na casa de “Belalú”. Como esta tinha que sair "Ágape" não pode ficar por muito tempo, mas enquanto lá esteve escutou-a tocar violão e isso serviu para lhe acalmar.
Depois de uma visita donde chegou calada e saiu muda, "Ágape" foi desabafar comigo os seus sentimentos abalados e escondidos: “Como a vida é cheia de contrastes. Sou indiferente a qualquer implicância, indireta, julgamento, palpite, senso de vingança ou confronto que venha de qualquer pessoa, menos de minha mãe. Dela me soa pesado, ofensivo, descabido, insuportável, penoso, uma afronta sem limites. Não estou querendo dizer que mãe tem obrigação de compreender os filhos, mas ao menos ela podia respeitar minhas deficiências. Agora ela fica fazendo terrorismo e sempre vem com a frase de início marcado e macabro: ‘Quero ver a hora que você estiver na casa da sua irmã e...’ Conclusão é que eu devolvo sem raciocinar, falo por falar sem nem sentir as palavras passarem pela mente. Aliás, acho que elas se formam nos lábios pelo próprio impulso do nervosismo. Sou muda perante o mundo, mas creio que exatamente por conta disso, acabo sendo minha própria fala para com minha mãe. Eu não levo o que ela fala a sério, mas minha irritação que sobe para a cabeça é seriíssima. Ao contrário ela esnoba se fazendo de calma e dá crédito nas tolices que digo, nas palavras descabidas que depois nem me lembro que pronunciei. Fica um ambiente terrível e sou obrigada a sair de casa para esperar o clima acalmar e a poeira abaixar. Eu fico tremula de raiva e respiro como um búfalo em pé de guerra. Uma irritação que vira tédio, amargura, rancor e tristeza profunda. A apatia posterior à raiva infeta o sangue das veias. O rubro da fúria dá lugar ao pálido desconsolado. O mundo cor de rosa fica negro. Eu sei que tudo é bobeira e espero os sentimentos negativos passarem, mas ela é mestra de rebater na mesma tecla, insistir, me martirizar pelo descabido acontecido. Enquanto eu ponho uma pedra sobre o assunto ela faz dele uma arma em punhos, utilizando-o como motivo de justificativa perante suas reclamações que se transformam em puro acusamento. Fico no sujo mal lavado cuja mancha não dá para limpar. Bate aquela vontade de sumir, parar de existir, não me ser nem agora e nem nunca mais. Confesso que sou imatura e anormal, até porque sempre fujo de crescer e ser normal. Entretanto, porquê ela que se faz de boa sendo adulta e normal não dá jeito de aparentar isso nas horas mais necessárias? Não, ela prefere ficar de picuinha. Porquê ao invés de colaborar para não aumentar o meu problema traumático, insolúvel e irremediável ligado a dinheiro ela insiste em me perturbar, me atazanar, me sufocar e socar a mão na ferida para ver o pus jorrar? Porquê ela faz de compreensiva e boazinha para dar o bote em seguida? Tudo eu agüento de todos e me faço de surda porque já me sinto muda, mas com mamãe é diferente, consigo abrir a boca e me expressar. Já disse isso muitas vezes e meu desabafo está repetindo a mesma ladainha outra vez, pois não consigo me segurar perante as implicações de minha mãe. Aí o bicho pega e a coisa fica feita”.
Atualização
Há 4 anos
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