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sexta-feira, 28 de maio de 2010

Sonho (respondido) de perdão e amizade entre uma tímida e uma carente desprezada


“Alra” acordou cedo para ir a chácara com sua mãe e assim como de sempre, esteve fazendo sapatinhos de crochê, remexendo nas plantas e colhendo abacate com mexericas que andavam perdendo aos montes. Sendo o único feito do dia, depois de um bom banho de rosa, brinco de princesa e brilhantina, “Alra” buscou os sonhos para completar sua vivência. Eis seu relato:


“Sei que tive muitos sonhos, mas só recordo o tido anterior ao despertar. Eu estava com um pessoal adolescente e todos estavam brigados (e ainda brigando) com uma jovem que estava sentada na calçada de sua casa. Percebi que ela desprezava a classe social inferior dos ex-amigos a fim de se vingar pelo desprezo que sentia dos mesmos para consigo. Ela se fazia de vítima e/ou era carente de atenção exagerada. Tive a impressão de que ela queria aparecer e fazer vontade nos demais, pois tinha de um lado uma bandeja com balas (percebi que no fundo havia grãos de feijão) e do outro lado um pote de sorvete cor de rosa (provavelmente de morango). Entretanto ela não comia, pois estava escovando os dentes. Eu era conhecida de alguém do pessoal adolescente que fazia pouco caso da jovem que se dizia desprezada, a qual eu pouco conhecia. Nisso ela olhou para mim e magoada perguntou por que eu não houvera conversado com ela e ficara apenas lhe olhando. Muito sincera disse que eu era tímida e nunca conversava com ninguém. Enfatizei que o problema não era com ela, pois poderia ser Jesus ali no lugar dela e ainda assim eu provavelmente ficaria só olhando e analisando sem ter nada para dizer. Nisso ela me deu uma abraço muito apertado dizendo que me desculpava e pedindo meu perdão também. Embora eu não a conhecesse direito, desvinculei-me do outro pessoal e tornei-me a melhor amiga dela. De certa forma era como se já fossemos amigas há anos. Isso seria eu mesma me aceitando melhor da forma como sou ou me percebo sendo?”


Respondi que sua análise fazia sentido. Com certeza o sonho envolve sua dinâmica pessoal, pois há identidade, tomada de consciência, inclusão, aceitação e incorporação. O sentimento de vingança pode surgir como reação ao acordo tônico fracassado. Como bem dizia o francês André Lapierre: faces de uma mesma moeda, o mesmo afeto. Quando o acordo tônico não se realiza, a integração, o encontro, a resposta, é reativa e oposta: a agressividade, a vingança pela rejeição. “Alra” se encontrou de forma onírica com seu lado carente e com os conteúdos que a mobilizam (ou mobilizavam) e a fazia responder diante dos acontecimentos da vida se portando como uma vítima, rejeitada, desprezada, carente, sofrida, vingativa, agressiva, ressentida, magoada e excluída. Mas surge duas novas características nessa dinâmica: “Alra” se descobre e se aceita como tímida e transforma-se em observadora de si mesma. Muitos são os que consideram a timidez como problema menor, ou pouco significativo, e de fácil transformação, porém os tímidos sabem que isso não é verdade. A timidez é resultado de um processo ameaçador na vida de uma pessoa, ainda mais em uma sociedade selvagemente competitiva que não abre espaços para os introvertidos. Seja resultado da formação de um complexo de inferioridade, ou de outras naturezas, o processo vivido pelo individuo pode ser, e em geral o é, devastador em sua vida. É a fonte de uma série de consequências impossibilitadoras dentro da sociedade. Quando detectada pelo indivíduo que passa a perceber seus bloqueios e dificuldades, aquilo que surge como incapacitante pode ser transformado em qualidade e diferencial, em características que geram riquezas. O tímido que se supera, característica de introspectivos que sofreram o impacto da realidade de forma ameaçadora, passa a utilizar o que aparentemente aparecia como negativo em pontos fortes que sevem para acrescentar e enriquecer o mundo. Eles têm o que, em geral, os outros só passam a ter com o esforço da conquista: o nato poder de serem centrados, concentração e focados, bem como a facilidade para lidar como a imaginação, característica que, se não for bem trabalhada, pode levá-los apenas à compensações e às fugas do imaginário.
Voltando ao sonho: como observadora, “Alra” abandona a postura passiva de vítima para incorporar o sujeito que se analisa e observa o mundo. Essa é a primeira atitude fundamental para mudar sua vida. O sujeito só pode ser agente de sua mudança quando se descobre como um sujeito que participa do mundo, que está inserido neste mundo, onde é ação e resultado do que ele é capaz de produzir, criar e transformar, em si mesmo e “ao mundo”. O tímido tem de vencer o olhar inquietante dos extrovertidos desassossegados e o jeito crítico dos invejosos. Eis o recado dado de mais um sonho.


COLABORAÇÃO ESPECIAL: M. EDUARDO
APOIO: A_LINGUAGEM_DOS_SONHOS

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