“Alra” acordou cedo para ir a chácara com sua mãe e assim como de sempre, esteve fazendo sapatinhos de crochê, remexendo nas plantas e colhendo abacate com mexericas que andavam perdendo aos montes. Sendo o único feito do dia, depois de um bom banho de rosa, brinco de princesa e brilhantina, “Alra” buscou os sonhos para completar sua vivência. Eis seu relato:
Respondi que sua análise fazia sentido. Com certeza o sonho envolve sua dinâmica pessoal, pois há identidade, tomada de consciência, inclusão, aceitação e incorporação. O sentimento de vingança pode surgir como reação ao acordo tônico fracassado. Como bem dizia o francês André Lapierre: faces de uma mesma moeda, o mesmo afeto. Quando o acordo tônico não se realiza, a integração, o encontro, a resposta, é reativa e oposta: a agressividade, a vingança pela rejeição. “Alra” se encontrou de forma onírica com seu lado carente e com os conteúdos que a mobilizam (ou mobilizavam) e a fazia responder diante dos acontecimentos da vida se portando como uma vítima, rejeitada, desprezada, carente, sofrida, vingativa, agressiva, ressentida, magoada e excluída. Mas surge duas novas características nessa dinâmica: “Alra” se descobre e se aceita como tímida e transforma-se em observadora de si mesma. Muitos são os que consideram a timidez como problema menor, ou pouco significativo, e de fácil transformação, porém os tímidos sabem que isso não é verdade. A timidez é resultado de um processo ameaçador na vida de uma pessoa, ainda mais em uma sociedade selvagemente competitiva que não abre espaços para os introvertidos. Seja resultado da formação de um complexo de inferioridade, ou de outras naturezas, o processo vivido pelo individuo pode ser, e em geral o é, devastador em sua vida. É a fonte de uma série de consequências impossibilitadoras dentro da sociedade. Quando detectada pelo indivíduo que passa a perceber seus bloqueios e dificuldades, aquilo que surge como incapacitante pode ser transformado em qualidade e diferencial, em características que geram riquezas. O tímido que se supera, característica de introspectivos que sofreram o impacto da realidade de forma ameaçadora, passa a utilizar o que aparentemente aparecia como negativo em pontos fortes que sevem para acrescentar e enriquecer o mundo. Eles têm o que, em geral, os outros só passam a ter com o esforço da conquista: o nato poder de serem centrados, concentração e focados, bem como a facilidade para lidar como a imaginação, característica que, se não for bem trabalhada, pode levá-los apenas à compensações e às fugas do imaginário.
Voltando ao sonho: como observadora, “Alra” abandona a postura passiva de vítima para incorporar o sujeito que se analisa e observa o mundo. Essa é a primeira atitude fundamental para mudar sua vida. O sujeito só pode ser agente de sua mudança quando se descobre como um sujeito que participa do mundo, que está inserido neste mundo, onde é ação e resultado do que ele é capaz de produzir, criar e transformar, em si mesmo e “ao mundo”. O tímido tem de vencer o olhar inquietante dos extrovertidos desassossegados e o jeito crítico dos invejosos. Eis o recado dado de mais um sonho.
COLABORAÇÃO ESPECIAL: M. EDUARDO
APOIO: A_LINGUAGEM_DOS_SONHOS
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