“Assim que comecei a dormir, parece que no estado de torpor da consciência, sonhei que estava incorporando (naquele momento mesmo de sono) por algo desconhecido como se fosse uma força estranha e forte que eu temia, talvez por não saber se teria controle sobre o que estava se passando comigo. Senti calor e parecia estar acordada mesmo dormindo, pois podia enxergar mesmo de olhos abertos. Acordei com a sensação de pavor experimentada por relutar com tal força que parecia eclodir de mim ou para dentro de mim. Depois de voltar a dormir sonhei com um casal de gatos e um gatinho filhote. Nisso olhei ao lado nuns trapos e meio escondido encontrei uma outra gata com um monte de gatinhos recém-nascidos que mamavam. Estranho que achei aquilo nojento ou repulsivo e me afastei, algo que com certeza não faria na vida real. A gata com os gatinhos eram de cor cinza rajado e os filhotes estavam tão pequenos que me pareceram ratinhos. Eis a recorrência dos mesmos animais. Por fim sonhei que conversava com uma mulher que estava incorporada com uma entidade que provavelmente deveria ser de uma pomba-gira, mas ela não era espalhafatosa e tinha um jeito sério de falar. Eu não entendia direito o que ela falava por causa de seu linguajar. Ela falava que eu não podia passar para (ou por) debaixo da terra sem cumprir alguma coisa. Na minha cabeça eu raciocinava o meu desejo de um envolvimento conjugal, mas não entendi se ela estava falando disso e nem sabia se passar para debaixo da terra se referia a morrer. Imaginando e querendo que aquilo tivesse ligação com a preocupação que eu mantinha em mente sobre a possibilidade de um futuro envolvimento amoroso, tentei descobrir do que ela estava falando através da seguinte pergunta: 'mas como eu vou conseguir isso?' Ela respondeu: 'você consegue tudo o que quer' e calou-se como se tivesse dado todo o recado. Disse-lhe que nem tudo dependia apenas do querer e perguntei se eu não teria uma ajuda do destino, mas nisso chegou um homem também incorporado e ambos começaram a conversar de forma que acordei ficando sem uma resposta. O que me diz sobre essas lembranças?”
Respondi-lhe que sua primeira sensação poderia ser uma vivencia trans-pessoal, como uma espécie de saída com o corpo astral. O sonho do gato demonstra a repulsão enquanto projeção da rejeição que aprendeu a refletir. Expliquei-lhe que ao saírmos da fantasia para a realidade precisamos de fortalecimento de nossa resistência mental e sensorial para suportar o impacto da realidade. Neste aspecto, quanto mais diferenciados somos, menos repulsão ou nojo sentimos e o oposto é verdade, quanto mais indiferenciados, mais são os estímulos que puxam para a realidade terrena e sensorial que despertam essa repulsa. Paradoxalmente, esta reação pode ser indicativo de estado, ou nível, de maturação. Quanto mais maturada for a pessoa, mais o seu sistema nervoso resiste ao impacto de realidades “repulsivas” e, quanto menos maduro for o indivíduo, mais o estimulo é capaz de mobilizar reações psico somáticas de descarga ou enjoo. Muitas vezes não ocorrem respostas somáticas e as reações são apenas defensivas, já que apenas imagens (nível visual) já podem produzir a resposta negativa, a repulsa e o afastamento. Neste caso uma única imagem é capaz de evocar estímulos associados ao negativo como odor, liquido gosmento, sensação de sujeira, etc. Assim, o estimulo visual mobiliza a propriocepção e o sujeito, mesmo sem contato físico, age como se imerso ou inserido no contexto, ou seja, na indiferenciação. “Alra” indica: “algo que com certeza não faria na vida real”, consequentemente, sua frase explicativa levou-me a crer que há atitude de repulsa em relação à realidade, mais propriamente em relação à sua forma de interagir com as pessoas ou com os acontecimentos. Aconselhei-a de fortalecer sua resistência aos eventos que busca evitar e que a levam ao comportamento de escape, à fuga e à evasão. É necessário aumentar essa resistência para que seja possível suportar os trancos da vida que ainda virão, ficando menos suscetível, menos à flor da pele, com um sistema nervoso mais resistente e menos frágil.
Verifiquei que, quanto mais avançamos nossa compreensão da linguagem dos sonhos, quanto mais consideramos o nosso universo interno, mais ele se ordena e mais nos aproximamos de um diálogo com o nosso inconsciente. Os sonhos tendem a ficar menos assustadores, pois os conteúdos vão se realizando na sua dinâmica de transformação e as mensagens mais claras são como sinalização de que a psiquê se ordena. Só podem se comunicar os que têm disposição e disponibilidade para empreender um diálogo, e para isso é preciso escutar, refletir e se auto-comunicar. É necessário entendimento, pois quando a consciência faz seu movimento e mostra sua disponibilidade, o inconsciente também mostra sua tendência voltada para o encontro e sua linguagem também se transforma numa crescente de amadurecimento. É o caso do ultimo sonho donde a mensagem é o que é: “Ela falava que eu não podia passar para (ou por) debaixo da terra sem cumprir alguma coisa. ...'mas como eu vou conseguir isso?' Ela respondeu: 'você consegue tudo o que quer' e calou-se como se tivesse dado todo o recado.” A maturidade é a resultante da configuração de inúmeros eventos psíquicos, entre eles a mudança de postura, atitudes, escolhas e referências, bem como da consistência dos princípios pessoais diante da realidade. Todos somos capazes. Conquistamos o direito à vida e temos que honrar os compromissos diante dela. A vida não nos pertence. Por isso precisamos “dizer a que viemos” e cumprir com nossos desígnios. A mensagem é essa: cumpra e realize os desígnios de sua vida. Pare de esperar tudo nas mãos. Corra atrás da realização desses desígnios. Cresça. A lei básica é essa: nascer, crescer, se desenvolver, amadurecer e morrer em paz. Enquanto fixada na realização do sonho de se casar, “Alra” estará esquecida de que precisa se tornar uma mulher adulta, capaz de cuidar de si e de dirigir a sua vida. O sonho praticamente ordena-lhe a cumprir seu destino pela força única de sua vontade pessoal.
COLABORAÇÃO ESPECIAL: M. EDUARDO
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