O dia começou não muito bom. “Graúda” outra vez voltara a atormentar "Ágape" logo cedo com a indesejável fala: “não sei o que vai ser de voce quando eu morrer”. Se “Graúda” não sabia, "Ágape" muito menos, e reafirmar tal frase apenas a fazia sentir-se sem os chãos por debaixo de seus pés e até o teto e as paredes desapareciam de seu redor também, tamanho o seu sentimento de desconsolo emocional, a sensação de nenhum acalento, de não ter nada nem ninguém para lhe valer uma ajuda num momento de dificuldade extrema. Isso doía profundamente na alma de "Ágape". Esse era seu único e gigantesco medo: o abandono legado ao próprio azar. Para não chorar ou se deprimir com pensamentos desconexos sobre um futuro incerto e triste, algo que provinha e ao mesmo tempo refletia de volta uma imensa insegurança para o momento presente de "Ágape", seu consolo foi ir até a casa de “Belalú”. Embora esta não gostasse de falar do passado, sempre deixava claro que já sofrera muito e tivera seus bocados donde não pudera contar com nada além da fé interior. Era exatamente assim que "Ágape" sentia ao imaginar tudo de ruim que poderia acontecer no futuro. Todas as pessoas têm suas cotas de sofrimento e dificuldades para passar, mas algumas delas não têm a quem recorrer além de Deus e essa era para "Ágape" a maior semelhança (embora de modos diferentes) entre ela e “Belalú”. Ambas se entendiam perfeitamente bem quando falavam de seus tormentos de mediunidade infelizmente não trabalhada, dos conflitos interiores perante a busca de sabedoria, o confronto com o mundo exterior cheio de criticas e julgamentos maldosos, e principalmente o fato de se sentirem testadas em situações das quais ninguém pode ajudar.
Como o sol fraco em contraste com o vento frio estava convidativo para um passeio, ambas resolveram ir até o parque espairecer a mente no meio da natureza e assim fizeram. Na ida "Ágape" foi relatando seus sonhos sobre as entidades da umbanda e “Belalú” também tinha os seus do mesmo estilo. O tempo passou ligeiro e junto a ele "Ágape" sentiu todo seu mal estar esvair-se. Junto ao meio-ambiente ela sentia-se outra pessoa. Era como se as arvores, os animais silvestres, o próprio verde e o canto dos pássaros a tranqüilizasse com uma sensação reconfortante de proteção. A paz da natureza lhe enchia a alma de leveza. “Belalú” lhe levou até uma moita de bambus de troncos grossos e lá, junto a um rego d’água, ficaram agraciando o tronco liso da plantação. Realmente a natureza as encantava a ponto de parecerem duas bobas. "Ágape" podia sentir a energia de cada arvore e quando as tocava a sensação ainda era mais vibrante e perceptível. Era como se a seiva da planta passasse direto para seu corpo espiritual. "Ágape" inclusive comentou: “gosto de tocar e sentir o que me agrada aos olhos”. Nada poderia ser melhor para "Ágape" do que tal passeio e de resto a idéia de catar algumas pinhas para decoração.
Tal realidade apenas fez "Ágape" reafirmar a velha fala: “quando estou no meio da natureza de tamanha paz e perfeição, eu sinto que é praticamente impossível gostar mais das pessoas do que das plantas e às vezes sentir-me humana não me faz sentir parte da natureza. Vejo um contraste muito grande. Eu sinto Deus presente no verde das folhas e no azul do céu de forma muito mais profunda do que nas pessoas em geral, começando por mim que sou tão cheia de defeitos. As plantas e os animais têm sim as suas imperfeições, mas estão sempre a nos dar paz e reconforto espiritual. A natureza para mim é uma fonte de segurança, pois ela pode alimentar-me, lembrando e provando-me a grandeza de Papai do Céu que de tudo cuida. Quando sinto a grandeza de Deus a cuidar de tudo, fico mais forte e consigo sentir que nunca vou estar sozinha desamparada, desolada a miséria humana. Junto à natureza eu me perco numa sensação de esperança infinita e respiro puro amor e paz. Foge de mim tudo quanto pe sentimento e pensamento negativo. Melhor do que isso, eu sou inundada de sensações magníficas de felicidade e aquela anunciação interior de que ainda serei muito, mas muito feliz. É milagroso sentir isso e daí dizer que a natureza opera milagres em mim de maneira muito rápida. Basta-me contemplá-la e sinto num oásis, mesmo que esse paraíso seja num pequenino canto de uma cidade turbulenta. Eu não sei explicar, só sei sentir. É como se eu saísse de mim e me unisse à essência segura do universo, a mesma que faz a lei da gravidade funcionar, a fonte jorrar água, as plantas crescerem, o dia clarear, o sol aquecer, o mundo funcionar em perfeita harmonia. Junto às pessoas e no ambiente normal da cidade eu sinto o desemprego, o frio, a fome, as enfermidades, as guerras, os defeitos do egoísmo, da vaidade, do orgulho, etc. Em compensação, junto a Mãe Natureza, eu nem me sinto sendo humana. É como se eu fosse mais do que isso e pudesse estar ilesa a tudo de negativo que é sofrido pelo ser humano. Eu sei que isso é apenas uma sensação utópica de minha mente, mas é muito bom e positivo, de forma que respiro a natureza como se o ar fosse o próprio Criador a preencher todo meu ser”.
De toda forma o passeio de "Ágape" não durou muito tempo, pois como sempre “Graúda” não tardou a ligar varias vezes para saber se "Ágape" já estava quase indo embora. Às vezes isso incomodava "Ágape", pois as pessoas (e isso não ocorreu apenas com “Belalú”) tinham a sensação de que “Graúda” não gostava ou tinha desconfiança delas. Daí "Ágape" tinha que procurar suas respostas típicas para remediar a situação: “não é isso, o problema é que minha mãe é muito preocupada”. De outras vezes ela trocava a palavra preocupada por ciumenta ou carente e ia fazendo um rodízio de explicações. Sem mais alternativa "Ágape" teve de dar seu passeio por terminado e voltar para casa. Já eram duas horas da tarde quando ela foi almoçar. Interiormente ela sentia-se muito bem, porém isso por si só ainda era pouco. Por melhor que fosse a magia da natureza para sanar seu problema emocional, somente Deus podia resolver seu problema real de não ter um futuro seguro e uma renda financeira estável para manter-se viva. E era por tal motivo que sua permanência com Deus continuava em primeiro lugar. Assim sua vida ia sendo dividida entre resignação, humildade, renuncia, oração, meditação e muita contemplação da natureza e dos aspectos religiosos que lhe agradavam. No fundo de seu ser "Ágape" sabia que podia sofrer o quanto fosse, nada abalaria sua fé. Ela sentia que o chão abaixo de seus pés podia se romper o quanto fosse, mas nem por isso ficaria sem uma mão espiritual para agarrar-se a fim de não cair no abismo de si mesma. E tendo a fé como a única coisa fiel e valiosa de seu viver, "Ágape" ia vivendo conforme lhe era lícito e permitido.
Atualização
Há 4 anos
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