RENUNCIA[1]
Personagens:
Alcione Vilamil
Espírito de Luz. Volta à Terra em missão sublime. Ama Carlos e por ele é capaz de renunciar a tudo.
Padre Carlos
Ama Alcione. Porém, fraco sucumbe às tentações do mundo.
Madalena Vilamil
É a mãe de Alcione. Esposa de Cirilo é vítima de cruel trama. Acaba paralítica em decorrência da peste variólica.
Cirilo Davenport
Pai de Alcione. Nunca se recuperou da suposta morte da esposa. Enganado, contrai segundas núpcias.
Antero de Oviedo Vilamil / Robbie
Primo de Madalena. A ama desde a juventude e não hesita em livrar-se de Cirilo. Reencarna como Robbie, um deficiente físico.
Susana Duchesne Davenport
Prima de Cirilo. Fútil, dedica paixão doentia a este. Junta-se a Antero para arruinar a felicidade de Cirilo e Madalena.
Carolina Nemours
Irmã de Susana. Preocupa-se com esta e incumbe-se de sua filha.
Dolores
É a prestimosa serviçal da família Vilamil. Está sempre a ajudá-los nos momentos críticos.
Padre Damiano
Conselheiro e amigo é o responsável pela nova visão evangélica da família Vilamil.
Beatriz Davenport
Filha de Susana e Cirilo. Tem aversão a mãe.
Dona Margarida
Mãe de Madalena e tia de Antero. Ama o sobrinho com carinho maternal. É o espírito de luz que o acompanha.
Madre Conceição
É a Madre Superiora do Convento das Carmelitas. Enferma, ampara-se em Alcione para a administração do local.
Freira Albertina
Sofre os assédios constantes de Frei Ofrásio.
Frei Ofrásio
Cínico e pervertido. Esconde-se por trás da batina.
Antênio
Espírito de Luz, responsável pelos trabalhos nas esferas superiores.
ATO I – NA PÁTRIA ESPIRITUAL
SOLILÓQUIO ENTRE ALCIONE E ANTÊNIO NO MUNDO ESPIRITUAL
ALCIONE – Anjo amigo, rogo a concessão de um corpo carnal, caso Jesus me conceda esta dádiva. Digo-te, bondoso Antênio, não desejo regressar ao corpo de carne, tão somente para seguir o amado Carlos.Tenho tanto desejo de acariciar aquela que me foi mãe desvelada em outros tempos!
ANTÊNIO – Já ponderastes nos obstáculos imensos?
ALCIONE – Sim querido amigo, refleti em tudo isso e estou resolvida ao testemunho por mais cruel que seja o meu roteiro.
ANTENIO – Pois bem, já que te firmas em propósitos tão altos, permito o teu regresso à Terra, em nome do Senhor.
ALCIONE – Deus te recompense!....
ANTENIO – Que a Sua misericórdia te abençoe! Tomarás como mãe a formosa MADALENA VILAMIL e como pai CIRILO DAVENPORT, regressando aos cenários franceses do Século de Luís XIV...
ATO II – REENCARNE ABENÇOADO
(Mudança de ambiente: luz vermelha, som tenebroso. Entra em cena ANTERO desesperado, cambaleante.)
ANTERO – Por que? Por que não amparei Madalena nas vicissitudes da sorte, em vez de arruinar-lhe o porvir de esposa e mãe??Desgraçado que sou.....Sei-me morto...Mas, sinto-me vivo.....Vivo o bastante para lembrar....A peste! Madalena tu pegaste Varíola Negra e enquanto deliravas eu e Suzana tramávamos as tuas costas...
(Ouve-se a voz de SUSANA. Fazendo parte dos delírios de ANTERO.)
SUSANA (FORA DE CENA) – Acalma-te. Madalena aqui está em segurança. Crês que encontrei singular coincidência?..Entre os últimos sepultados havia o nome de uma certa Madalena Villar... Não vedes Antero? É chance de recuperarmos nossos sonhos de ventura....Não ignoro os sentimentos que nutres por Madalena desde tenra infância...
ANTERO – Sim...Amo-a! Se não fosse o intruso Davenport.... (com mágoa.)
SUSANA – Esta situação cala-me fundo a alma, vez que tuas aspirações são gêmeas das minhas...Pois, também eu, amo Cirilo!É hora de retificar a situação...Ouça-me Antero de Oviedo...Tomarei as providências devidas para que Madalena Villar, transforme-se em Madalena Vilamil...Direi a Cirilo que sua jovem esposa morrera em decorrência da peste! E tu, dirás a Madalena, que meu primo, em ocasião de viagem para América, sofrera grave acidente e fora enterrado no leito das águas....
(ANTERO cai de joelhos.Desesperado.)
ANTERO – VAI-TE EMBORA! DEIXA-ME EM PAZ ! JÁ NÃO SUPORTO MAIS! (aos gritos)...Ainda sinto o veneno a corroer-me a alma....(tenta andar, mas consegue somente cambalear) Meu braço e minha perna parecem ter mirrado...Quanto tempo cá me encontro? Já não suporto tanto sofrimento....Jesus....Sim, falavam-me dele...Mamãe falava-me dele....O Salvador....Jesus... Permita-me uma esmola de luz no seio das trevas que me envolve...Perdoa-me....Salva-me....
O ambiente modifica-se. Música calma. D. MARGARIDA entra em cena.
ANTERO – (Tomado de grande surpresa) Ah! Minha mãe!... (arrasta-se para beijar-lhe os pés) Há quantos séculos me separei de seu coração bondoso....
D. MARGARIDA – Oh,meu filho, como te encontro?...Onde puseste o amor que te dei? (ANTERO permanecerá de cabeça baixa chorando. D. MARGARIDA em atitude fraternal sentará ao seu lado e acariciará sua cabeça.) Os mensageiros de Jesus permitiram viesse trazer-te alguma consolação. Reanima-te, meu filho!... Já refletiste nos resultados da empresa que tentaste no mundo? A mão que assinou documentos condenáveis, aí a tens mirrada; o pé que se moveu no rumo dos feitos delituosos está ressequido; os olhos que procuraram o mal repletam-se de sombras espessas....
ANTERO – Rogarei a Jesus me socorra com a liberdade de movimentos.
D. MARGARIDA – Sim, o Senhor não te negará o quinhão de sua excelsa bondade, mas só no contato de novas lutas terrenas conseguirás reintegrar-te nas faculdades sagradas que espezinhaste. Jesus me concedeu a felicidade de trazer-te esta dádiva. De ti, porém, depende agora prolongar teus sofrimentos expiatórios, ou assumir o compromisso de os abreviar.
ANTERO – Aceito.
D. MARGARIDA – Pois bem! Aproveitarás o contato com Alcione que retornou a nossa esfera familiar em missão suprema! Serás teu irmão querido e filho daquela que tanto mal causaste!
ANTERO – Mamãe...Sinto tanto sono....(Adormecerá nos braços de D. MARGARIDA que o retirará de cena.)
ATO III – AVANÇANDO NO TEMPO
CENÁRIO: Penumbra. Em meio a cena encontraremos ALCIONE caída, abraçada ao seu crucifixo. Entra em cena PADRE CARLOS:
CARLOS – Maria de Jesus Crucificado, porventura já estará resolvida a confessar o crime de heresia, para que possa receber os sacramentos da extrema-unção?
ALCIONE – (ao ouvir a voz, vira-se emocionada) Carlos!...Carlos!...
CARLOS – (Reconhece-a e transtornado deixa cair a Bíblia que traz nas mãos e põe-se de joelhos.) Alcione!...Tu?? Sonho? Ou enlouqueço??
ATO VI – FAMÍLIA VILAMIL
LUZES SÃO DESLIGADAS:
Entrará MADALENA mancando, amparada por DOLORES. MADALENA senta-se em cadeira improvisada. Abatida, triste. Seus olhos devem estar vagueando perdidos, como que há lembrar.
DOLORES – D. Madalena...Como estás? ( preocupada) Algo a perturba?
MADALENA – (longo suspiro) Estou bem querida Dolores...São somente lembranças....P. Damiano demora a chegar? Sinto urgência em seus ensinos evangélicos....
DOLORES – Acredito que não! Deve vir acompanhado de nosso anjinho....
(DOLORES ocupa-se de MADALENA. Passam-se alguns minutos.)
DOLORES – D. Madalena! P. Damiano aquí se encontra!
MADALENA – (Iluminando o semblante)Peça que entre Dolores!
P. DAMIANO entrará em cena acompanhado por seu sobrinho P. CARLOS
P. DAMIANO – Minha filha!Como estás? Que Jesus esteja convosco!
MADALENA – Padre! Não imaginas como me alegra vê-lo (beija suas mãos). Mas, quem é este jovem que o acompanha?
P. DAMIANO – Este é meu sobrinho bem amado: Padre Carlos Clenaghan. Carlos, esta é Madalena Vilamil.
P. CARLOS – Como vais senhora? Meu tio muito tem falado sobre vossa família! Digo-te com sinceridade que não via a hora de conhece-la!
MADALENA – É um prazer recebe-lo em nossa humilde morada!És bem vindo tanto quanto sói teu tio!
P. DAMIANO – Carlos é meu único sobrinho e sempre foi credor do meu afeto!Trago-o hoje para que participe conosco da reunião evangélica!
DOLORES – Alcione vem vindo D. Madalena!
Entra em cena ALCIONE.
ALCIONE – Padre Damiano! (o abraça dispensando formalidades.) É sempre bom te-lo em nosso lar! (vai até MADALENA) Mamãe...Como te sentes hoje? (planta em sua fronte um beijo)
MADALENA – Muito bem! Veja que alegria! P. Damiano trouxe seu sobrinho para que conhecêssemos!
P. DAMIANO – Meu sobrinho, esta é Alcione!
P. CARLOS - (lança seu olhar para ela, algo surpreendido) Alcione? Onde teria ouvido este nome? Tenho vaga idéia de já o ter ouvido.
ALCIONE – (Impressiona-se. Sente conhece-lo de longa data. Algo envergonhada) Sê bem vindo!
Neste momento, quebrando o magnetismo exercido entre ALCIONE E P. CARLOS entrará ROBBIE/ ANTERO chorando. Deve estar mancando e conservar a mão torta. Correrá de encontro a MADALENA.
MADALENA – Robbie, filho meu! Que há?
ROBBIE – Ah! Não vou mais à escola de P. Damiano! Os meninos disseram que a senhora não é minha mãe!
MADALENA – Ora, não deves dar importância a isso Robbie. Ademais, tu és o filho de meu coração! O bom menino é obediente e não dá ouvidos a tolices. Talvez não chegasses a observar os companheiros vadios, se te entregasses inteiramente às lições.
ALCIONE – Perdoa, Robbie. Tu tens esquecido nossos conselhos de cada dia?Quem muito reclama não sabe agradecer a Deus.
ROBBIE – Mas, mamãe....A senhora está vendo? Veja a mão de Alcione...(dirá comparando a sua torta com a da irmã)
MADALENA – Deus quis assim, meu filho!
ROBBIE – Então Deus não é tão bom quanto a senhora falou.
ALCIONE – Está bem, Robbie, agora chega de recriminações. Mamãe já te aconselhou, já te pedimos para perdoar. Hás de esquecer estas tolices! Comecemos o ensino Evangélico não é P. Damiano? Dolores! Vem tu também! Vamos todos nos assentar para a palavra do Cristo!
ALCIONE deve ser observada cuidadosamente por P. CARLOS. Todos se assentam. Em cena, D. MARGARIDA entrará gentilmente e imporá sua destra sobre a cabeça de ROBBIE/ANTERO
ALCIONE – (como que sentindo a presença da entidade luminosa) Mamãe, a senhora tem se lembrado do primo Antero?
MADALENA – Por que perguntas?
ALCIONE – É que sinto vontade de pedir por ele esta noite...
MADALENA – Faze muito bem...Foi há mais de 10 anos...Suicidou-se com potente veneno julgando assim poder livrar-se do cárcere, condenado que fora por seus atos criminosos...
P. DAMIANO – Peçamos por esta alma ao final da reunião...Ora vejam (abrindo a bíblia) eis que leremos sobre... (continuam em palestra quando D. MARGARIDA se manifesta)
MARGARIDA – Jesus te abençoe filho amado...! Aprenda com Alcione as lições do Amor e da Benevolência...! (permanece ao lado de ROBBIE/ ANTERO) Obrigada Pai pela oportunidade sublime... (D. MARGARIDA deve ser iluminada com luz azul e aos poucos deve ser desligada. Desligam-se as luzes para denotar passagem de tempo. Foca-se apenas em P. DAMIANO e ALCIONE. P. CARLOS deve ser entretido por ROBBIE, MADALENA E DOLORES.
P. DAMIANO – Filha, sei que tuas orações e pureza devocional são preciosos tesouros ante o amor de Jesus e por isto mesmo, venho pedir-lhe socorro para um outro filho, pois assim o considero pelos laços do espírito.
ALCIONE – Conheço minha indigência, P.Damiano.Mas disponde de minha insignificância como julgardes mais acertado.
P. DAMIANO – Trata-se de Carlos, minha filha, para quem desejo o socorro de tuas sugestões fraternais. Não o vejo muito seguro em suas decisões...Devo mesmo dizer-lhe que Carlos não escolheu o sacerdócio por amor...Minha infeliz irmã, em ocasião de sua morte fizera-o ainda jovem envergar a batina. Muito me agradaria que o orientasse em nossas conversas , robustecendo-lhe o ânimo vacilante na estrada sacrificial do sacerdócio cristão.
ALCIONE – (baixando os olhos) Não creio possa ter alguma coisa de mim mesma para auxilia-lo, mas estou certa de que Jesus não nos faltará com o pábulo do seu amor inesgotável.
CENA V – AMOR DE ALCIONE E P.CARLOS
DESLIGAM-SE AS LUZES. FOCA-SE APENAS P. DAMIANO QUE VEM AO CENTRO DO PALCO PARA CONVERSAÇÃO COM A PLATÉIA.
P. DAMIANO – Daí em diante, as visitas de Carlos à casa da viúva Davenport repetiam-se todas as noites... A atração do jovem par tornava-se dia a dia mais forte. Ignorava eu, pobre Padre que sou, a aflição de dois corações silenciosos...A situação assim prosseguia quando chegou o Natal de 1861. Ás vésperas do Ano-Bom, numa esplendorosa manhã de domingo...
LUZES SÃO LIGADAS. O JOVEM PAR DEVE ESTAR SENTADO EM UM BANCO. ALCIONE PENSATIVA. P.CARLOS COLHERÁ UM TREVO E LHE DARÁ.
P.CARLOS – Perdoa! Não posso te oferecer o ramalhete da esperança para um noivado venturoso, mas dou-te esta folha de trevo que é um símbolo da minha terra!
ALCIONE – (Emocionada, de primeiro momento não consegue articular palavra. É o embate entre seus ideais de mulher e os santos)
P. CARLOS – Não sofras por isso!...Quero apenas lembrar que, não fora o compromisso assumido, poderia hoje dizer que, apesar dos meus quase trinta anos, ousaria suplicar a Deus me concedesse a ventura de os conjugar às tuas dezoito primaveras.
ALCIONE – (Estende sua mão de encontro ao de CARLOS) Padre Carlos, pode crer que suas palavras me tocam o sacrário do coração!...
P. CARLOS – Alcione, se te for possível, doravante, chama-me Carlos apenas, na intimidade. Dos outros suportarei o título de apóstolo sem o ser
ALCIONE – Esperei teu olhar, tuas mãos, teu verbo, teus pensamentos, em todos os lugares por onde passei, desde a hora em que despertei para o sentimento...Apesar disso , Carlos, o hábito sacerdotal pode ser, no conceito de nós ambos, em razão de nossos sofrimentos atuais, um instrumento de opressão e desventura; mas, para quantas almas ele tem sido um refúgio de paz entre os infortúnios da vida?
P.CARLOS – Compreendo...Mas começo a crer que me não amas bastante. Aproximo-me de ti, sedento o coração, e vejo que as tuas objeções paralisam meus impulsos...
ALCIONE – (sobressaltada, triste) Desvairas, Carlos? Admites minha amorosa dedicação estraçalhando os programas do Cristo?Deus conhece minhas vigílias em preces fervorosas...
P. CARLOS – Perdoa-me! O amor me alucina...Concordo com tua resignação admirável, entretanto, penso que não se nega uma gota de orvalho à planta tenra! Não me deixes órfão da tua ternura. Ouve, querida! Concede-me a dita de um beijo apenas e serei o mais ditoso dos seres!...
ALCIONE – Não posso! (afastando-se dele) Não posso dar o beijo que pediste, mas posso dar-te o ósculo de minh`alma. Abaixo do Céu, Carlos, és o meu maior afeto; entre nós, porém, está Jesus Cristo. Pois bem: confio a Jesus o beijo da minh’alma, para que seu misericordioso coração te entregue a minha pobre lembrança. ( beija o trevo e entrega a CARLOS que faz o mesmo) É preciso suportar o isolamento e cumprir o dever até o fim...
P.CARLOS – Então, hei de partir em missão eclesiástica com a doce lembrança de teu amor.
(LUZES DEVEM SER DESLIGADAS)
ATO VI – REENCONTRANDO SEU PAI: CIRILO
ENTRAM EM CENA CIRILO E SUSANA. DEVEM ESTAR SENTADOS. ELE LENDO.
SUSANA – Reparaste a Henriqueta lá no baile? As suas convidadas estavam escandalosamente vestidas....
CIRILO – (Com um gesto de enfado) Quase não me detive no exame dos trajes.
ENTRA BEATRIZ COM UMA BONECA. ABRAÇA O PAI, FELIZ. O MESMO NÃO FARÁ COM A MÃE.
BEATRIZ – Paizinho...! (virando para SUSANA) Como estás senhora?(demonstrando respeitabilidade um tanto fria. Afasta-se dos dois para brincar com sua boneca.)
SUSANA – Senhora!...Poderiam dizer que esta menina sequer é minha filha...Veja como trata a própria mãe!
CIRILO – Acalma-te. Tu sabes que Beatriz tem estado muito doente.
SUSANA – Sempre a protege-la, não é Cirilo? E a governanta? Achaste mulher honesta para encarregar-se de Beatriz tanto nos estudos quanto na saúde precária?
CIRILO – Creio que sim. P. Damiano recomendou alguém de sua confiança...Ao que parece sua família passa por muitas dificuldades financeiras...A mãe encontra-se acamada...
NESTE MOMENTO OUVEM-SE BATIDAS NA PORTA.
SUSANA – Luísa...Não ouves? (chamando pela serviçal, as batidas continuam insistentes. Como a serviçal não aparece, a própria Susana levanta-se para atender.) Ora vejam...Agora a própria Senhora é quem tem de atender a porta.....(agastada.)
ALCIONE – Boa tarde....
SUSANA – (Estatela-se. O leque vai ao chão) Quem...Quem és tu???
CIRILO – Quem bate a porta? ( manifesta-se ao ouvir o leque cair)
ALCIONE – Boa tarde. Estou aqui por recomendação de P. Damiano. Sente-se bem senhora?
SUSANA – Estou ótima. (ainda a espreitar a jovem.)
CIRILO – Pois não, entre....(olha atentamente para jovem) Tuas feições...Não me são estranhas...Lembra-me muito Madalena! (impressionado. Abre um sorriso)
ALCIONE – Perdão...Quem?
SUSANA – (Fria.Faz lívida com a menção do nome de Madalena) Meu marido fala de sua primeira esposa... Mas, teu nome? Dize teu nome menina.(impaciente)
CIRILO – Susana! Respeite a jovem. (a endereçar olhares severos) Sou Cirilo Davenport. Esta é Susana, minha esposa. Desculpe-a pelos modos grosseiros. Minha esposa é dada a tiques nervosos.... (SUSANA ignorará o comentário)
ALCIONE – ( Fica por alguns instantes sem fala.) Sou...Hã...Meu nome...
SUSANA – Esqueceste o próprio nome, por ventura? (em tom sarcástico)
ALCIONE – De modo algum senhora...Sou..Alcione da Chácara.
CIRILO – Alcione! Pois bem, venha conhecer Beatriz. A pequena que necessita de teus cuidados...
(ALCIONE E CIRILO VÃO ATÉ A MENINA. SUSANA VIRÁ ATÉ A FRENTE, EM TOM CONFIDENCIAL)
SUSANA – Não é possível...Que vejo! Dentro de minha casa a cópia da antiga rival...! Já não bastam os anos todos convivendo com a sombra de sua lembrança? Preciso tirar essa menina de minha casa....
(A VOZ DE CIRILO INTERROMPERÁ SUSANA.)
CIRILO – Então, está decidido! Alcione fica conosco já que te afeiçoas a ela!
BEATRIZ – Sim papai! Gostei dela!
SUSANA – Pois não a acho adequada para o serviço...É preciso mulher mais velha. É uma jovenzinha sem experiência! Como há de tratar de nossa filha?
BEATRIZ IRÁ SE AGARRAR AS PERNAS DE ALCIONE
BEATRIZ – (aos gritos) EU GOSTO DELA! ELA NÃO VAI EMBORA!!! PAPAI!!!
CIRILO – Filha, aquiete-se. (endereça um olhar austero para SUSANA) Pois, querida esposa, Alcione ficará aqui de qualquer maneira.
ALCIONE – Senhor...Deixa-me ir! Não pretendo agastar a senhora sua esposa.
CIRILO – De forma alguma. Tu ficarás. E Susana há de concordar com tal.
SUSANA – (Reconhecendo-se vencida, mudando o tom de voz.) Está certo. Que assim seja. Que Alcione se encarregue de Beatriz. (NESTE MOMENTO FOCA-SE APENAS SUSANA, QUE VIRÁ A FRENTE.) Sim, Alcione encarregou-se de minha filha e de mim mesma...O ódio transformara-se em remorso amargo. Afinal, nunca conseguira o amor de Cirilo e nem mesmo de minha própria filha...Por mais que castigasse a menina Alcione, ela era sempre candura...Conquistou-me aos poucos com suas leituras evangélicas e com seu Cristo...Era preciso dar um pouco de mim mesma...Sua mãe não estava doente? Por que não oferecer o meu concurso?Está decidido. Descobrirei onde Alcione mora e faremos uma visita à enferma. (SAI DE CENA DECIDIDA)
ATO VII – DESENCARNE DE MADALENA.
MADALENA DEVE ESTAR DELIRANDO. P.DAMIANO E DOLORES AO SEU LADO.
ALCIONE – Como está a saúde de mamãe?
DOLORES – Ah, menina Alcione ela anda cada vez pior...O reumatismo assumiu caráter muito sério. Os pés e os joelhos estão definitivamente inutilizados...
MADALENA – Ah...Quem sois vós? (reconhece a figura luminosa, entra em Cena D.MARGARIDA) Mamãe...!Minha mãe! E Cirilo, minha mãe? Por que não veio em sua companhia? (misturando as impressões terrestres com as espirituais) Teu pai, Alcione! Ele vem vindo!!! Minha mãe diz que chegou o tempo de minha cura e que partirei com ela...
(P. DAMIANO ASSUSTA-SE. ALCIONE TAMBÉM ANTE OS DELIRIOS DE MADALENA )
P. DAMIANO – Alcione, preciso falar-te seriamente, em particular. Dize-me menina. Os nomes nessa família irlandesa não te preocuparam?
ALCIONE – Sem dúvida que me ocorreram pensamentos estranhos...Cirilo Davenport é o nome de meu pai... Lembro-me que em ocasião de meu primeiro encontro com a família, relutei em dizer meu sobrenome a eles.
P. DAMIANO – Fizeste bem. Pois acredito que te encontres em casa de teus parentes...Não podemos ter qualquer dúvida. Será possível que haja qualquer coisa de crível nos delírios de tua mãe?
COMO RESPOSTA A ESTA PERGUNTA, DOLORES AGITADA, APROXIMA-SE DOS DOIS.
DOLORES – Alcione! Tem uma elegante carruagem em frente a nossa morada!
ALCIONE – Eis a resposta de tua pergunta, querido amigo. Que sucederá agora? Senhor, ajudai-me a compreender vossa divina vontade!(deve estar nervosa ao ir atender a porta. SUSANA notará seu descontrole)
SUSANA – Alcione...Viemos visitá-la! Que foi? (preocupada, abraçando-a) Assim tão pálida? A doente piorou? (AMBOS, CIRILO E SUSANA ENTRAM EM CENA)
ALCIONE – Por favor, não entrem agora!...
MADALENA – Cirilo...! Cirilo!... Por que demoraste tanto? Ai! Que longos anos de separação, que noites de angústia!
CIRILO E SUSANA PARAM ATERRORIZADOS. CIRILO VAI ATÉ A DOENTE.
CIRILO – Que vejo? Que vejo eu?
MADALENA – Vê como Alcione cresceu.Moça e bela! Nunca contemplamos juntos a nossa filha...!
ALCIONE – É preciso acalmar-se, mamãe...
MADALENA – Não estou alucinada, filhinha, não vês o que vejo no limiar da morte...Ainda não podes divisar as feições de teu pai, que voltou do sepulcro para me levar com ele...
ALCIONE – Quem sabe, mamãe, a senhora desejará um pouco d’água?
MADALENA – Não...não... Onde está Robbie? Quero apresenta-lo a Cirilo como nosso filho de criação...
(CIRILO ATERRADO VIRA-SE PARA SUSANA, QUE TERÁ CAÍDO DE JOELHOS)
CIRILO – Que pensa de tudo isso?
SUSANA – É ela!....Foi o maior crime da minha vida!
CIRILO – Depois falaremos.
(LOGO APÓS ENTRARÁ DOLORES TRAZENDO ROBBIE)
MADALENA – Este, Cirilo, é também nosso filho pelo coração...Tome a benção a teu pai Robbie! (ROBBIE BEIJARÁ AS MÃOS DE CIRILO)
MADALENA – Minha mãe diz que é momento de partir...EM MINUTOS ELA NÃO RESPONDE MAIS. CIRILO CERRA SEUS OLHOS PARA O MUNDO.
P. DAMIANO, ROBBIE E CIRILO A RETIRAM DE CENA. RETORNA SOMENTE CIRILO.
CIRILO – (Transtornado) Susana, explica-te.
D. MARGARIDA APROXIMA-SE DE SUSANA QUE SE CONSERVA AJOELHADA.
D. MARGARIDA – Confessa! Confessa e acharás o caminho para Deus...
SUSANA – Vali-me de todos os recursos, meus e de meus amigos, para desposar Cirilo, crente de que, aparceirada com Antero, poderia corrigir um erro do destino. Mas a verdade é que nunca encontrei um ceitil da felicidade ardentemente desejada...Se puderem, peço de joelhos que me ajudem o espírito cansado, com o perdão da imensa falta! Jesus, que me deu a coragem de confessar o crime, não me há de faltar com as energias necessárias ao esforço regenerador!... (CIRILO deve estar estático. SUSANA lança seu olhar para ele) Perdoa-me e terei forças para me transformar!....
(CIRILO louco de dor sacará um punhal e partirá para cima de SUSANA)
CIRILO – Não há perdão para o teu crime, Susana! As víboras hediondas devem ser esmagadas.
(Neste instante ALCIONE se colocará entre CIRILO e SUSANA)
ALCIONE – E Jesus, meu pai?
Após alguns longos minutos de meditação, CIRILO dará o punhal a ALCIONE.Neste instante, notarão que SUSANA está enlouquecendo.
SUSANA – Satã....Satã vem chegando com as suas sentinelas perversas! Ah, que desejam de mim? Já confessei tudo....Voltem para os infernos!....(bradando)
ALCIONE virará para SUSANA. A amparará.
ALCIONE – Não se exalte, senhora Susana. Tranqüilize-se...Dolores! Leve a senhora daqui.
DOLORES sai de cena amparando SUSANA.
ATO VIII – O ENGANO DE P.CARLOS
CIRILO DEVE ESTAR CAMBALEANTE.
ALCIONE – (Abraçando o pai) Meu pai, meu pai! Não te entregues assim ao sofrimento!...
ESTÃO SOZINHOS EM CENA ABRAÇADOS. P. CARLOS ENTRA EM CENA. DE INICIO ASSUSTA-SE. DECIDE FICAR ESCONDIDO.
CIRILO – Ah! Amo-te tanto! Por quanto tempo puderam manter-me longe de ti....
SAEM DE CENA. ALCIONE AMPARANDO CIRILO. APÓS, TOMADO PELA RAIVA P.CARLOS TOMARÁ CONTA DO PALCO.
P. CARLOS – Que vejo?!....É impossível....Onde está a doce criatura pela qual enamorei-me? Jamais poderia imaginar que Paris pudesse transformar o espírito daquela a quem dediquei todo o mais santo amor.... Fui capaz de abandonar o celibato em nome dela acreditando em sua pureza e devoção...Foi somente uma falsa, aproveitando-se da morte da mãe enferma!
P. DAMIANO ENTRARÁ EM CENA. VERÁ O SOBRINHO.
P. DAMIANO – Meu sobrinho! Como sofro por receber-lhe em tão tristes provações! Como andam suas tarefas....?
P.CARLOS – Renunciei a batina meu tio.
P.DAMIANO – Como pudeste cometer semelhante desvario?
P. CARLOS – Supus que seria melhor assim...Era impossível continuar. Mas já estou de partida. Não vim com a intenção de demorar-me. Tenho alguns amigos que me esperam no Havre, por estes dias.
P. DAMIANO – Mas, não falarás com Alcione? Ela sentirá muito em saber que aqui esteve e sequer lançou-lhe uma palavra!
P.CARLOS – Pode ser que não.
P. DAMIANO – Meu filho...!Que há??
P. CARLOS SAIRÁ DE CENA APRESSADO, NERVOSO. P. DAMIANO O SEGUIRÁ.
ATO IX – DESENCARNE DE ROBBIE/ANTERO
EM CENA: SUSANA DESVAIRADA, ALCIONE AO SEU LADO. ENTRA EM CENA UMA MULHER ELEGANTE: CAROLINA.
BEATRIZ – (Triste) Tia Carolina, aqui está mamãe.
CAROLINA – Estanca-se espantada. Vai até a irmã e a abraça sem nada dizer.
SUSANA – Talvez não saibas, Carolina que me tornei criminosa aos olhos de Deus...Fiz tudo quanto quis, mas Deus deixa agora que o Diabo me peça contas de meu atos condenáveis...Se cometeste alguma falta grave, liberta-te do remorso o quanto antes! Satanás nos está espreitando!....
ALCIONE – Acalme-se...A senhora está se entregando a emoções muito fortes com a chegada de sua irmã.
CAROLINA deixará a irmã e mais afastada falará com ALCIONE.
CAROLINA – Soube de tudo quanto se passou. Lamento a morte de meu cunhado.
ALCIONE – Sim. Os médicos fizeram o possível...Foi acometido por tão forte emoção que seu coração não pôde agüentar...
CAROLINA –Analisando a situação de minha irmã penso em levar Beatriz comigo para América.
ALCIONE – A pequena Beatriz está desconsolada com a morte do paizinho querido! Acredito que seja uma decisão acertada...
INTERROMPENDO A CONVERSA ENTRA DOLORES EM CENA. HISTÉRICA.
DOLORES – ALCIONE...! É ROBBIE! É ROBBIE!
ALCIONE – Dolores! Acalma-te! Não vês o estado da Senhora Susana?
DOLORES A ARRASTA PARA O OUTRO EXTREMO DO PALCO, CHORANDO.
DOLORES – É teu irmão....Foi atropelado...E....
P. DAMIANO ENTRARÁ EM CENA CARREGANDO ROBBIE.
ALCIONE – Meu...Irmão....
ALCIONE VAI ATÉ O IRMÃO E AMOROSAMENTE SENTA-SE NO CHÃO AMPARANDO A CABEÇA DE ROBBIE.
ALCIONE – (quase colando os lábios aos seus ouvidos) Então, Robbie? Como foi isso?
ROBBIE – Deve ser...a vontade de Deus....que se cumpriu...
ALCIONE – Haveremos de tratar das feridas, com atenção...
P. DAMIANO – (Interrompendo) É inútil menina...O ferimento no peito, produzido pela pata do animal, é irremediável...
AQUI TEREMOS A ENTRADA DE D.MARGARIDA.
ROBBIE – Alcione...Veja...Sinto que minha mão e minha perna estão curados...E tenho a impressão de que me curei dos olhos para sempre...Somente não posso levantar-me e acompanhar-te...mas depois que dormir...penso que ficarei bom....sinto tanto sono...
ALCIONE – Deus te restitui a saúde da alma, por te considerar novamente digno querido Robbie....
ALCIONE o afagará gentilmente e ROBBIE morrerá em seus braços.
D. MARGARIDA – Obrigada por restituir-me o filho amado de meu coração! Bendita sois Alcione....Erga a fronte! Estamos contigo!
P.DAMIANO – Deixa Alcione. Eu e Dolores cuidaremos de seu sepultamento.
DOLORES E P.DAMIANO LEVARÃO O CORPO DE ROBBIE PARA FORA DE CENA.
ALCIONE – Ah! Meu Jesus, não me desampares!...
NESTE INSTANTE, SUSANA QUE FORA DEIXADA SOZINHA COM A IRMÃ E A FILHA, VAI A PROCURA DE ALCIONE.
SUSANA – Alcione!...Alcione!....
ALCIONE – (Enxugando as lágrimas) Ah! Como me esqueci da senhora!.... ( abraçará SUSANA, tal criança e a levará de volta. – luzes desligadas para próximo ato.)
ATO X – REENCONTRO COM CARLOS
ENTRAM EM CENA P. DAMIANO E DOLORES. DEVEM ESTAR COM MALAS.
DOLORES – Ah, padre...Quantos eventos tristes na vida da menina...Impressionou-me o amor que dedicou a Senhora Susana...Pobre mulher...Viveu ainda mais dois anos, após a morte de nosso amado Robbie....Padre...Estaremos tomando a decisão certa?
P.DAMIANO – Acredito que sim. Sempre desejei envergar compromissos na América distante....Espero que Alcione encontre meu sobrinho para que todos possamos realizar a grande viagem...
DOLORES – Alcione bem o merece...! Sozinha que se encontra, merece um futuro risonho, rodeada de crianças....Será que já encontrou Carlos?
P. DAMIANO – Quem sabe...? Vamos! O Navio já se avista...! (SAEM CORRENDO DE CENA. APÓS ENTRARÁ P.CARLOS. PENSATIVO. PÁRA EM CENA. DENTRO DE INSTANTES SURGE ALCIONE. ESTA DEVE ENTRAR PERGUNTANDO SOBRE ELE PARA A PLATÉIA.)
ALCIONE – Carlos!...Carlos!... (corre para ele e lhe toma as mãos) Não me reconheces? ( o abraça. CARLOS deve estar espantado.)
CARLOS – (afastando-se de ALCIONE)Ignoras que te vi abraçada a um homem no derradeiro momento da morte de sua mãe? Ah, Alcione, não podes compreender todo o veneno que me lançaste na alma confiante.
ALCIONE – Não devias ir tão longe em teu julgamento. Sabe quem era aquele homem que amparava em momento de sublime dor? Era meu pai!
CARLOS – Teu pai!??...( fica mudo por alguns instantes)Perdoa-me! (enterra a cabeça nas mãos.)
ALCIONE – Mas...Por que choras? Ainda temos numerosas oportunidades de servir a Deus e nós mesmos! Dize-me pois, se queres partir para América, para tentar vida nova. Estou certa de que viveremos felizes, em perpétua e santa união...
CARLOS – Não posso!
ALCIONE – Por quê?
CARLOS – Estou casado há mais de dois anos. Poderás perdoar-me outra vez?
ALCIONE – (após um momento de espanto) Não te preocupes comigo, Carlos. Reconheço, agora, que a vontade de Deus é outra, a nosso respeito.
CARLOS – Sou casado, Alcione, mas não feliz...Nunca pude esquecer-te. Quem sabe, poderíamos repudiar as algemas terrestres e construir nossa felicidade longe daqui?
ALCIONE – Isso nunca! Jamais construiríamos um ninho de ventura e de paz, na árvore do crime.
CARLOS – Quando nos veremos novamente?
ALCIONE – A vontade de Deus no-lo dirá mais tarde. Até lá, meu querido Carlos, não esqueçamos a dedicação aos nossos deveres e a obediência aos divinos desígnios.
LUZES SERÃO DESLIGADAS.
ATO XI – NO CONVENTO
LUZ AZUL. MADRE CONCEIÇÃO ENTRA EM CENA. AR AUSTERO.
MADRE CONCEIÇÃO: ALCIONE VILAMIL (chamando-a)!
ALCIONE – Aqui estou Madre.
MADRE CONCEIÇÃO – Minha filha, estás francamente decidida a abandonar o mundo e seus gozos?
ALCIONE – Sim, Madre.
MADRE CONCEIÇÃO – No momento crítico de tua resolução, Alcione Vilamil deve estar morta para o mundo profano. Que nome desejas adotar na suprema união com Cristo?
ALCIONE – Maria de Jesus Crucificado.
AO LADO DE ALCIONE SURGIRÁ D. MARGARIDA.
D. MARGARIDA – Estamos nos primeiros anos do século XVIII. Alcione Vilamil é agora Irmã do Carmelo, um exemplo vivo de amor cristão. Na época em que nos encontramos , Maria de Jesus Crucificado desempenha no convento a tarefa de subpriora, por força da enfermidade rebelde e dolorosa, que há muito, acomete a Madre Superiora.
(D. MARGARIDA SAI DE CENA. UMA FREIRA ENTRA, AMEDRONTADA)
FREIRA ALBERTINA – Frei Osório, eu lhe peço. Deixa-me!
PREI OSÓRIO – Não precisa temer-me. Quero apenas estender meu carinho a ti...(irônico)
ALBERTINA – Necessito apenas do Carinho e Amor do Cristo! Nossa subpriora...
FREI OSÓRIO – Nossa subpriora...Ora, dize-me Freira Albertina, não a acha uma agitadora? Suas lições evangélicas são um tanto quanto estranhas....(continua a insinuar-se para a pobre FREIRA que em vão busca esquivar-se)
ALBERTINA – Maria de Jesus Crucificado ensina-nos o verdadeiro sentido das palavras de Cristo! Terei que gritar, porventura?
FREI OSÓRIO – Não faltará oportunidade....(dirá sinistro, largando-a e sairá de cena)
FREIRA ALBERTINA FICARÁ EM CENA DESOLADA, CHOROSA. ALCIONE ENTRARÁ EM CENA AMPARANDO M. CONCEIÇÃO.
ALCIONE – Irmã Albertina! Que há?
F. ALBERTINA – Irmã Maria! Ajuda-me! É frei Osório...Continua a perseguir-me...
M. CONCEIÇÃO – Minhas preocupações não estão erradas...Frei Osório não passa de viciado e perverso...Não chores Filha....
ALCIONE – Que nos aconselhais? A vossa experiência, minha boa Madre, é para nós outras um seguro roteiro!
M.CONCEIÇÃO – Ah, Minha filha! O flagelo da Igreja continua sendo os sacerdotes indignos! Quem sabe poderemos chamar Frei Osório à senda do Cristo?
ALCIONE – (Decidida) Irmã Albertina, conduza Madre Conceição a seu quarto.
F. ALBERTINA – Que fará Irmã Maria?
ALCIONE – Falarei com Frei Osório ainda que tal não me caiba na condição de humilde freira....
LUZES DESLIGADAS. EM CENA FREI OSÓRIO E ALCIONE.
ALCIONE – Frei Osório, ouso vir à vossa presença, a fim de apelar para os vossos sentimentos de irmão.
F. OSÓRIO – De que se trata?
ALCIONE – Venho pedir a vossa cooperação a favor das muitas jovens que aqui se encontram sob a nossa responsabilidade.
F. OSÓRIO – Devo dizer-lhe, irmã, que considero a sua atitude como um atrevimento. Ademais, não a reconheço como Irmã do Carmelo e sim como inovadora, passível de severa punição. (Alcione deve permanecer em silêncio, amargamente emocionada.) A senhora é uma herética!
ALCIONE – Se a sinceridade e a verdade são heresias, para o vosso critério pessoal, honro-me em servir ao Senhor com a minha consciência.
F.OSÓRIO – Ignora que poderei processá-la e punir-lhe o atrevimento?Denunciá-la-ei ao Santo Ofício. Disponho de poderoso amigo junto ao Inquisidor-Mor de Madrid.
ALCIONE – Podeis proceder como quiserdes. Quanto a mim, intercederei por vós em minhas orações.
F. OSÓRIO SAIRÁ DE CENA NERVOSO. ALCIONE O OLHARÁ TRISTEMENTE.
ATO XII – O INICIO DAS PROVAÇÕES
LUZES DEVEM SER LIGADAS. EM CENA F. OFRÁSIO ESTARÁ FALANDO COM P. CARLOS QUE DEVE ESTAR DE COSTAS PARA O PÚBLICO.
F. OFRÁSIO – Isto é tudo. Não crês que ela deve ser punida?
P. CARLOS – Prometo-lhe meu total apoio. Faça o que deve ser feito. ( e vira-se para a platéia revelando seu rosto.)
ATO XIII – CONVOCADA AO TESTEMUNHO
EM CENA: ALCIONE DEVE ESTAR SENDO LEVADA POR F. OFRÁSIO. DEVE SER SEGUIDO POR F.ALBERTINA E M.CONCEIÇÃO.
M. CONCEIÇÃO – Para onde levas nossa Subpriora?
F. OFRÁSIO – Nossa irmã será devidamente admoestada.
F. ALBERTINA – O que isso quer dizer boa Madre?
M.CONCEIÇÃO – Quando os capelães inspetores falam de admoestação, isso significa fome no cárcere ou suplício nas escuras salas de tormento...
ALCIONE DEVE DESVENCILHAR-SE DAS MÃOS DE F.OSÓRIO.
ALCIONE – (Abraçando a Madre e a Freira) Estou convencida de que Jesus não me abandonará, seja qual for o testemunho que me esteja reservado.
M.CONCEIÇÃO – Lembra sempre que deixas nesta casa uma velha amiga que te consagra maternal afeição...!
F. OFRÁSIO DEVE SEPARÁ-LAS. ALCIONE DEVE TER EM SUAS MÃOS UM CRUCIFIXO E UMA BÍBLIA. A LEVA PARA FORA DE CENA.
M. CONCEIÇÃO – Que Jesus esteja contigo...! ( as duas irmãs se abraçam comovidas: luzes devem ser desligadas.)
ATO XIV – O MOMENTO SUPREMO
EM CENA P. CARLOS ANALISANDO UM PERGAMINHO.
P.CARLOS – Ora, esqueci-me completamente....Este caso espera por mim a mais de dez meses...Parece que a ré está às últimas... Mas, hoje estou cheio de compromissos para a noite...Irei amanhã muito cedo tomar-lhe as declarações.
P. CARLOS SAIRÁ DE CENA. EM SEGUIDA TEREMOS A ENTRADA DE MADALENA EM ESPÍRITO E D. MARGARIDA.
MADALENA – Onde ela está mamãe?
ALCIONE ENTRARÁ EM CENA ARRASTANDO-SE. FRACA, DOENTE E SUJA. NAS MÃOS O CRUCIFIXO.
MADALENA – (vai até a filha) Alcione, minha querida, depois do calvário doloroso, gloriosa será a ressurreição!...
ALCIONE – (Vai até a mãe beijando-lhe os pés) Não sou digna...! Não sou digna!... Minha mãe, sei que nada mereço de Deus, mas, se é possível, não me deixes morrer sob o desrespeito dos algozes impiedosos....
MADALENA – Não temas, minha filha! Partirás com o amparo dos anjos!....
Ambas impõem a destra sobre Alcione que permanecerá genuflexa. Luzes são desligadas.
ATO XV – RETOMANDO O INICIO
CENÁRIO: Penumbra. Em meio a cena encontraremos ALCIONE caída, abraçada ao seu crucifixo. Entra em cena PADRE CARLOS:
CARLOS – Maria de Jesus Crucificado, porventura já estará resolvida a confessar o crime de heresia, para que possa receber os sacramentos da extrema-unção?
ALCIONE – (ao ouvir a voz, vira-se emocionada) Carlos!...Carlos!...
CARLOS – (Reconhece-a e transtornado deixa cair a Bíblia que traz nas mãos e põe-se de joelhos.) Alcione!...Tu?? Sonho? Ou enlouqueço?? (Aproxima a lanterna do rosto de ALCIONE)
ALCIONE – Sim...O Pai Celestial atendeu aos meus rogos...Não podendo aproximar-me do teu coração com os meus sentimentos de mulher, buscava-te com os pensamentos do Cristo...Tomei o hábito religioso, desejosa de te encontrar, para ser irmã desvelada de tua mulher e segunda mãe de teus filhinhos...
CARLOS – Não tenho esposa, nem filhos, nem ninguém... Tudo perdi em te perdendo... A esposa traiu-me... Ah! Alcione, mal poderia supor que te assassinaria nestas masmorras infectas! Sou um miserável, um bandido!
ALCIONE – Tranqüiliza-te, confia no Senhor...
CARLOS – Mas sou culpado de tuas flagelações no cárcere! Sou vítima infeliz de mim próprio!
ALCIONE – Não te acuses! A confiança em teu amor ajudou-me a dissipar as sombras de cada dia...Logo que Deus me permita esse júbilo, voltarei outra vez...Nunca te esquecerei...Jesus abençoará nosso ideal de sublime união....
CARLOS – Dize, Alcione, dize ainda uma vez que me perdoas!
ALCIONE tentará falar, mas já não conseguirá. Numa última tentativa tomará o crucifixo. Em seguida, beija longamente a imagem do Crucificado e, leva aos lábios de CARLOS. Só então ALCIONE desencarna.
Neste momento, entrarão MADALENA, D.MARGARIDA, CIRILO, ROBBIE/ANTERO E ANTÊNIO. Estenderão as mãos a ALCIONE que se levantará resplandecente. Olhará para CARLOS. Depositará em sua fronte um beijo e se vai amparada pelos amigos.
ANTÊNIO – Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados! Bem aventurados os humildes, porque herdarão a Terra! Bem-aventurados os que sofrem perseguição por amor à justiça, porque deles é o Reino dos Céus!...
FIM
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[1] Adaptada da obra de mesmo nome escrita por Emmanuel, psicografada por Chico Xavier.
Atualização
Há 4 anos
Grande obra este livro. Já vi a peça aqui em Vitória da Conquista, BA. Se fosse algo relacionado a futilidades haveriam milhares de comentários. Permaneça.
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