“Essa noite sonhei que carregava um periquito no ombro. Ele tinha as asas inteiras e não voava porque realmente queria ficar comigo. Ele era branco rajado de cinza e bastante manso: eu passava a mão na cabecinha dele e ele se arrepiava todo remexendo as asas como se estivesse brincando comigo. No sonho de outrora vi uma mulher com um papagaio e neste a cena, um tanto diferente, foi outra vez com uma ave domesticada. Também sonhei novamente com fezes e dessa vez eu estava defecando no banheiro de casa. Foi um sonho bastante real, pois não houve nada diferente ou estranho na cena. Por ultimo eu estava flutuando sobre um rio que parecia um mar sem ondas e com água turva. Eu tanto estava no nível superior quanto me via lá dentro da água, era como se eu houvesse me dividido em duas. Eu não nadava, apenas me mantinha na superfície. Eis as poucas lembranças que conservei”
Sobre o sonho de “Alra”, disse-lhe que apresentava simbolismo de confronto. Tais tipos de sonhos necessariamente não envolvem combates, mas uma vertente de transformação da dinâmica pessoal, que o inconsciente abre, para que o sonhador possa tomar consciência de suas dificuldades, se defrontar com seus limites, ou com bloqueios que precisam ser superados. “Alra” tem consciência de sua dificuldade de aceitação do “não” do outro. A rejeição no adulto em principio é isso, a dificuldade de aceitar o “não” alheio, de levar equivocadamente a resposta do outro para o lado pessoal, por capricho, vaidade ou narcisismo. Isso pode se chamar birra! É o comportamento de menina que continua pela vida afora fazendo birra, chorando, esperneando, querendo ser atendida em seus desejos e na condição de comandar o mundo. É claro que na vida adulta, isto se transforma em emburramento, defesas, distanciamentos, inferioridade e superestima compensatória. Receber o não do outro pode ser praticamente insuportável, mas isso é uma escolha pessoal: só é cruel sofrer com a rejeição quem erroneamente atribui importância a isso e não consegue respeitar o direito alheio.
Um dos amigos é homossexual. “Alra” o coloca junto do rejeitador, levantando a suspeita de sua homossexualidade. Pode ser que assim fique mais fácil lidar com a rejeição. Nisso ela se vinga, punindo-o com a possibilidade de ser gay, e ainda sai da situação como vítima e rejeitada, como a pobre coitada. A rejeição passa a ser justificada enquanto “Alra” mantém sua postura indefesa de vítima. Com essas respostas ela estimula a desconfiança, a descompensação, os pensamentos persecutórios, seu desconforto e inadequação. Sai do eixo de sua referência para se conduzir através do imponderável: o mundo, as atitudes, as escolhas do outro. Isso tudo demonstra que “Alra” se dá muita importância, mas ela precisa saber que o outro não funciona a partir de sua presença ou comportamento. O fato dela fazer isso ou aquilo não quer dizer que os outros o façam, vivendo em função de ações alheias. Aconselhei-a de abandonar essa utopia tão convicta e deixar de acreditar nesses pensamentos, nesse tipo de fantasia. “Alra” precisa parar de se dar tanta importância, pois o mundo não gira ao redor de seu umbigo. O pensamento é uma grande conquista da evolução humana, mas é uma mecanismo ainda em evolução, possuindo armadilhas perigosas. É necessário cuidado e cautela com os pensamentos. No processo de desenvolvimento passamos pela fase onde acreditamos que o mundo é o que pensamos. Crescemos e passamos pela fase onde gostaríamos que o mundo fosse o que pensamos e podemos chegar à vida adulta com a consciência de que nem tudo o que pensamos deve ser considerado. “Alra” está dentro deste momento, precisando aprender a separar o pensamento joio do pensamento trigo.
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Respondi-lhe também que o pássaro simboliza o espírito que tem asas para voar ou querer ficar. É salutar e de bom augúrio que essa simbologia purificada e solar esteja ao lado de “Alra”. A proximidade sinaliza associação e principalmente envolve afeto. Esta é a união pela qual devemos trabalhar e, quando não acontece, é a rejeição que devemos evitar ou com a qual devemos nos preocupar. Quando vivemos em harmonia com o nosso espírito nada é mais importante. Por isso, quando o adulto se vê dominado pelo sofrimento ou pela dor da rejeição, é hora de pensar se existe o abandono da alma. Uma pessoa separada de seu próprio Eu é verdadeiramente um indivíduo “desalmado”, abandonado, rejeitado pelo Divino, uma alma penada. Mas se o espírito pousa feliz no seu ombro, há que rejubilar-se. Nada, nenhuma rejeição ou perda pode provocar dor se estamos unidos ao nosso próprio Eu, se a divindade está junto e sobre nós. O ato de eliminar os dejetos aqui aparece como uma eliminação do desnecessário, do refugo. O corpo funciona em equilíbrio, o sistema se alimenta e se purifica eliminando o que não é mais necessário. O foco é no ato de higiene, não na matéria densa. Na profusão dos sonhos, no desencadear dos acontecimentos, no desenrolar da experiência, dinâmica e respostas, ações, reações e proposições, não é estranho que sejamos como que lançados para dentro do sonho como sujeitos e, após, como observadores do lado de fora da ação. Não é muito diferente da realidade, pois funcionamos como observadores e, no momento seguinte, centralizamos ações, direcionamos acontecimentos, nos tornamos sujeitos com o poder de intervir, a partir de nossas escolhas ou da focalização de nosso Intento, na intenção que projetamos. “Alra” está no rio de sua vida. A indicação é de trânsito. O rio passa, segue seu curso. “Alra” está no meio, nem tão lá, nem tão cá, nem numa margem, nem na outra, passando o rio, se preparando para seguir e sem saber ainda aonde chegará.
COLABORAÇÃO ESPECIAL: M. EDUARDO
APOIO: A_LINGUAGEM_DOS_SONHOS
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